Concluídos os cursos de Filosofia e Teologia e já tendo recebido a Tonsura, o primeiro passo a caminho do sacerdócio, havia decidido permanecer mais um ano estagiando em bairros do Recife. Mas vim passar as férias no Ceará. Ao passar em Sobral encontrei o Padre Luizito Dias Rodrigues. Eu, no trem. Ele na estação. No nosso rápido diálogo, ele me convidou a vir a Sobral para uma conversa. Era dezembro de 1966.
Uma semana depois, vim a Sobral conforme combinado. Padre Luizito convenceu-me a vir passar o um período em Sobral, antes da decisão de ser ou não sacerdote. Ofereceu-me todas as condições. Hospedagem no Abrigo. Emprego no Jornal Correio da Semana e na Rádio Educadora.
Retornei ao Recife para desfazer-me dos compromissos já assumidos. Passei a outros colegas de Seminário a Coordenação do Conjunto Nordeste que no ano anterior havia gravado os discos de Evangelho em Ritmo Brasileiro. Comecei nova vida em Sobral, imaginando estar livre das perseguições da ditadura. Puro engano. Os olhos da ditadura estavam em todos os lugares.
Em julho de 1967 fui admitido como Coordenador do MEB – Movimento de Educação de Base, cuja atividade principal era de educação de jovens e adultos, através da Rádio Educadora do Nordeste. Começava ali o meu primeiro emprego, com carteira assinada. O trabalho super empolgante. O MEB era vinculado à Diocese e contava com recursos do Governo Federal. Uma equipe muito boa e comprometida com o trabalho. Como estava vindo do Recife, já tendo tido muitos contatos com o avançado MEB pernambucano, começamos a estudar, com a equipe, as idéias de Paulo Freire. Debruçamo-nos sobre o livro Educação Como Prática Para a Liberdade, lançado recentemente.
A leitura daquele livro abriu novos horizontes para toda a equipe: Edna Barreto, Fransquinha Dias, Hermínia Liberato, Lucia Bezerra, Laélia Gurgel Portela, Núbia Andrade. Tínhamos como motorista o Seu Valter Araújo que nos conduzia em todos os núcleos remanescentes das Escolas Radiofônicas.
As idéias de Paulo Freire e de seu revolucionário método de alfabetização de adultos passaram a ser mais divulgadas nos programas, na Rádio Educadora do Nordeste que funcionava, como o MEB, no mesmo prédio do Palácio do Bispo, hoje Museu Diocesano.
Aos poucos começamos a ser incomodados pela ditadura. Vez por outra recebíamos recados, através do Padre Egberto Andrade, à época ecônomo da Diocese de Sobral, informando que a Polícia Federal estava à nossa procura. Tínhamos que sair de Sobral imediatamente para um esconderijo em alguma cidade da região.
Por precaução, tinha que andar com um Atestado de Conduta, expedido pela Delegacia Especial de Polícia de Sobral, assinado pelo então Delegado Regional e Especial Tenente coronel PM Raimundo Ferreira Campos. Ali a autoridade declarava “que nada consta registrado, nesta Delegacia, contra sua conduta”.
Havia sempre voluntários dispostos a denunciar a ação do MEB. Chamavam de subversão o nosso trabalho porque ajudava a esclarecer as populações rurais mais carentes sobre os seus direitos e deveres. Os programas estimulavam a organização comunitária como forma de conseguir melhorias de vida para a população.
Nossa equipe ganhou visibilidade e fomos convidados para ministrar cursos em cidades do Maranhão. E fomos a Araoises, Tutóia, Barreirinhas, Brejo e São Luis, ministrar o revolucionário Método de Alfabetização de Adultos, de Paulo Freire, a convite de sacerdotes daquelas cidades.
Sem sabermos, todos os nossos passos eram rigorosamente acompanhados pelo famigerado SNI – Serviço Nacional de Informações. Somente na gestão do Presidente Lula tomei conhecimento do que os órgãos de segurança sabiam de mim. Pude constatar que qualquer denúncia virava verdade. A mim, foram 33 anos de perseguição, como mostrarei em outros artigos. Mas faria tudo de novo.
Leunam Gomes
Croatá - CE