domingo, 25 de maio de 2014

A Galinha Pedrês

Sentado à mesa para o almoço, falei: Fia, frito um ovo pra mim, por favor.
Ao pô-lo na mesa, senti aquele cheiro de coisas minhas passadas e ao saboreá-lo, senti o gosto de minhas lembranças que, naquele instante, se fizerem presentes.
Ah, quem imaginaria! iguaria tão singela revolver... 
Era uma vez uma galinha pedrês. Não tinha o pescoço pelado, era bonita, era pedrês e botava um ovo todo dia, exatamente ao meio dia. 
Ah, engraçado, esta história raspada com colher de pau do fundo do tacho da minha memória e, como se sabe, colher de pau não é muito boa raspadeira, sempre deixa farelos. Algumas coisas nesta história são a mais pura verdade, outras nem tanto, ficaram com os farelos no fundo do tacho. 
Para começo de conversa, existiu mesmo a galinha pedrês, era minha, lá na nossa casa, quando eu era menino em Coreaú. Altiva, sobranceira, exalava saúde, tinha a cara vermelha, parecia que minava sangue das faces. Aliás, nem sei mesmo se galinha tem cara; mas que era corada e botava um ovo todo dia ao meio dia, isso é verdade. 
Naquele tempo que eu era menino lá na minha cidadezinha natal, farinha era gênero de primeira necessidade, assim como o feijão, o arroz e a banha de porco... Para se ter farinha boa e farta era preciso guardá-la em lugar apropriado. Meu pai conservava um grande caixão de madeira de lei: que me lembre, era de cedro, não podia ser umburana, ia botar cheiro e gosto na farinha e farinha não pode ter outro cheiro nem outro gosto que não seja de farinha. O caixão era reforçado por fora com travas de madeira para garantir que não se desmanchasse com o peso de muitos surrões de farinha que desciam, em lombo de jumento, a Serra da Meruoca. Untado, por dentro, com uma gosma, mistura de farinha com melaço de cana de açúcar que, seca, funcionava como impermeabilizante contra a umidade e, além disso, vedava os furos por onde poderiam entrar insetos. Era, assim, tipo container, não tão grande como estes transportados em navios. Tinha uma pesada tampa com dobradiças de ferro que só se abria quando se ia pegar farinha para o almoço ou para outras serventias: pirão de galinha gorda, pirão de leite escaldado, angu, para quem ganhasse de minha mãe um litro de farinha e só tivesse água e sal ─ como tinha gente só com água e sal naquele tempo ─, comia-se também com rapadura; precisava a força de pelo menos dois homens ou de um que valesse por dois para levantá-la. Como ficava pesado, cheio de farinha! Mesmo vazio, não se aluía fácil, não, sempre plantado sobre toras de madeira, que não dava cupim, num canto de parede, para sempre. Ficava afastado das paredes coisa de uns 20 centímetros, espaço suficiente para entrar e sair uma galinha, mas apertado demais para entrar um menino. Foi lá, entre a parede e o caixão, que a minha galinha pedrês ciscou de por um ovo todo dia, pontualmente, ao meio dia; parecia até que tinha um cronômetro no sobrecu.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

3 haicais

*
não é o monte everest
é um pé de siriguela
com formigas nele
*
eu sou esses passos
cansados e rasteiros que
ficaram na praia
*
solitário no galho
de árvore, o passarinho
admira o fim do dia

Léo Prudêncio
Sobral - CE

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Pé quebrado cinco ou seis

Ninguém volta sem ter ido
Ninguém fica sem querer
Quem vai e volta sabido
Quem ficou não vai saber

Sou caminho percorrido
Sou estrada por fazer
Sou parte do ocorrido
Sou prestes a ocorrer

Sou marca no escondido
Sou alguém pra esquecer
Sou amor adormecido
Sou jura de comover

Sou artigo consumido
Sou a fome de comer
Sou um velho conhecido
Sou antes de conhecer

Sou o corte no tecido
Sou a linha de coser
Sou pai do acontecido
Sou fácil de aprender

Sou casa de chão batido
Sou bonito pra chover
Sou menos favorecido
Sou a vez de receber

Sou o bocado comido
Sou boca de merecer
Sou guarda-chuva sumido
Sou chuva de adoecer

Sou raro desconhecido
Sou fogo de acender
Missa de padre banido
Não basta pra me benzer

Eu que sonho atrevido
Eu que fico pra te ver
Eu que abro teu vestido
Eu que vou te convencer

Me peguei desprevenido
A ponto de prometer
Acordei agradecido
Prometi não sei o quê

Orestes Albuquerque
Cruz - CE

terça-feira, 20 de maio de 2014

Ó figura divina e celeste

Ó figura divina e celeste,
passo primordial da criação,
que supera com facilidade qualquer teste
e que sempre cabe mais um no seu coração.

Ó figura relevante e sagrada
de total importância para nós,
por isso que és tão amada
até no nosso comportamento atroz.

Mãe, tu nunca vais passar despercebida,
nunca será flácido o teu valor,
por isso durante toda a minha vida
devolver-te-ei todo o carinho e amor.

E por cada lágrima que te fiz derramar,
e por cada insulto que já lhe falei,
queria pedir para a senhora me perdoar
porque agora eu entendo, agora eu sei.

Estrela Dalva


Ei-la que surge límpida e serena
A estrela da manhã, célere avança.
Na azulada amplidão tranqüila e mansa
Banhando a Terra em claridade amena


Como este astro gentil, que nos acena,
Sois para nós, ó virgem de Bonança,
Quando perdida temos a esperança
Nos duros transes da mansão terrena;

Pois, se da vida na falaz viagem.
Fitamos nos perigos vossa imagem,
Toda nossa alma exulta e se ilumina;

E da Morte na última agonia
Ainda a luz de vosso olhar nos guia,
Resplandecente estrela matutina.

Francisco de Assis

Verbos

A diferença entre PRECAVER(-SE) e PREVARICAR pode se dar em algumas letras, ou em algumas horas.

Yan Valderlon

A porta e o escuro da alma


Porta de Venezianas tortas,
Que apara o sol no miudinho,
Quebra-te, escafede-te,
Deixa a luz entrar por inteiro.


Maldosa és tu
Que a mim direcionas
Poucos, uns míseros instantes
De luminosidade.

Fechada, tapada, mesquinha,
Tu que encrostas a escuridão,
Dá-me um grão a mais,
Um grau a mais de paz.

Tudo me chega enfadonho,
Não enxergo os outros,
Não vejo a mim,
E por entre tuas brechas
Pouquíssimo fulgor
Penetra meu espaço.

Deixa de mesquinharia, ó porta!
Abre-me tuas gretas
Nesta linda manhã
Que virá clarear!

Faz-me esse favor,
Peço-te com fervor...
Permite-me olhar as cores,
Sentir o cromatismo
Que há tempos não me rodeia.

Em troca, dar-te-ei a inexistência,
A tua inexistência,
Pois existes sem
Um sentido prático.
Tapar minha vista,
Eis a tua utilidade?
Não, minha cara,
Eis a tua inutilidade.

Thayza Alencar

Amor em preto e branco

O amor dos homens modernos,
Dentro de sua versão em preto e branco,
Tornou-se mudo.
Convergiu para o analfabetismo das relações.
Sem cores, as páginas da vida
Trazem a ilegibilidade da legenda
E nenhum ensinamento
É exemplo de lição de aprendizado.
O mal maior da humanidade
É a nudez de sentimentos.
Despido de respeito,
O amor sai em retirada
E sobram as cinzas da convivência
A esvoaçar sobre o que ele
Deixou de construir
Por ter sido podado pela raiz.


Jonas Pessoa

"O sétimo selo" - a1 a h8


~*~

Mãe dDivina y&y eterna ,mãe hvmana y&y mortalL
Mãe qve é pai ,pai qve é mãe.Jvntos pai y&y mãE
Mãe qve consolLa ,protege ,svstenta aAa alLmA
y&o coracção.Mãe amiga ,phlLor dDa emocçã0
Mãe heroína ,irmã ,jardim dDas apheicçõeS


Tela: Maternidade @ Raimundo Cela ( 1890 - 1954 )
Óleo sobre madeira,70 x 60 cm.1940

Poema de PharahelLio

Feições

Dou-te meus dias
Dou-te meu tempo
Dou-te minha atenção
Dou-te meu olhar
Próximo ou distante
Dou-te meus versos
Dou-te os meus eus
Não mudo meus pensamentos
Não me transfiguro
Para que me reconheças sempre
Com as mesmas feições.


Inocêncio Melo

Haicai

pássaro na gaiola
dia e noite
não canta. Chora.

Luana Brito
Granja - CE

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Alonso Quijano



Neste calmo entardecer, 
Não quero ficar sozinho, 
Quero vencer o moinho, 
Ver o monstro fenecer. 
Na peleja o benquerer 
Há de suplantar a dor, 
Ter asas de um condor 
E sinais de esperança. 
Sigo firme na andança 
De humano sonhador. 

Desfazedor de agravos, 
Na defesa do oprimido, 
Sou Quixote destemido, 
Libertador de escravos. 
Sigo sem vinte centavos, 
Como cavaleiro errante, 
No passo de Rocinante, 
E Sancho de companhia. 
Eu combato noite e dia; 
Sou de Dulcineia amante.

Eliton Meneses