terça-feira, 29 de abril de 2014

O Golpe de 64 (parte 2) A Repressão

Tudo se tornou mais difícil na vida dos brasileiros com o golpe de 64. Para estudantes e professores a situação era bem pior. Não interessava aos ditadores alguém que pensasse, que questionasse. As instituições mais atingidas foram as universidades, seus melhores professores e os diretórios acadêmicos.

Estudando, à época, no Recife, testemunhamos várias vezes, estudantes e professores serem agredidos, por ocasião de suas manifestações de protesto. Os militares ficavam irritados porque os estudantes divulgavam que fariam uma concentração em determinada praça, a partir de tal hora. Os militares cercavam a praça. No entanto os estudantes estavam reunidos em local totalmente diferente daquele que havia sido divulgado. Quando as tropas percebiam que os policiais haviam sido ludibriados, corriam ao encontro dos estudantes, onde todos realmente estavam. E aí o ódio era maior e a violência era redobrada.

A cavalaria subia e descia calçadas para espantar estudantes, atingindo-os com chicotadas. Mas os estudantes também se precaviam. Muitos, munidos de bilas, ou bolas de gude como alguns chamam, jogavam-nas durante a passagem dos cavalos e muitos deles escorregavam se esparramavam no chão.

As igrejas, geralmente, viravam abrigos para os estudantes. Em outros momentos, serviam para a realização das reuniões que eram impedidas de acontecer em praças públicas. Não havia, por parte dos manifestantes, nenhuma demonstração de violência. A violência ocorria apenas da parte dos militares por não admitirem contestações. Não havia quebra-quebra. E todos compareciam sem máscaras.

A revista O Cruzeiro chegou a publicar fotos de estudantes sendo agredidos à saída da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no centro do Recife, onde nos abrigávamos de uma perseguição policial.

As universidades perderam seus professores que demonstravam maior clarividência. Paulo Freire que estava no auge, com seu Método de Alfabetização de Adultos em quarenta horas, foi perseguido e banido do país. O seu crime fora criar um método revolucionário que foi testado com sucesso em Angicos, no Rio Grande do Norte. João Goulart, entusiasmado com o resultado do método, pediu a Paulo Freire o Plano Nacional de Alfabetização. A ditadura não permitiu que fosse implantado. Pelo contrário, todos os que defendessem aquele método eram tidos como comunistas ou subversivos que era a palavra da moda.

Vivia-se sob tensão. O Seminário de Olinda, o Mosteiro de São Bento eram suspeitos de esconder os perseguidos. Na realidade, no mirante do Seminário de Olinda alguém se escondia das perseguições da ditadura. O rádio e os jornais passaram a ser censurados. Só publicavam aquilo que fosse do agrado dos ditadores. Quem se der ao trabalho de analisar jornais ou revistas da época vai-se deparar com matérias entremeadas de receitas de bolo que nada tinha a ver com o texto. Mas era uma forma criativa de denunciar que aquela parte tinha sido censurada.

Por outro lado, a repressão estimulou a criatividade de compositores, jornalistas, atores, chargistas que encontravam jeito de transmitir as suas mensagens de insatisfação com o regime repressivo. Surgiram também os “dedo-duros” que, para agradar os ditadores, entregavam colegas. Como prêmio, recebiam cargos elevados ou proteção. Documentos comprobatórios estão vindo à tona.

Somente os entreguistas ou que não viveram aquela época, tem saudades da ditadura e querem a sua volta.

Leunam Gomes
Croatá - CE

Mortal

Não existem razões para tristezas,
Porque entre erros a que tive direito,
Sou um comum mortal.
Tive meus recreios de alegria,
Minhas planícies de buscas,
Meus bosques escondidos de felicidade.
Fiz a minha parte.
No picadeiro fui palhaço,
Mas também dei cá,
As minhas gargalhadas na platéia.
Tenho procurado continuar contando
As minhas estrelas da minha calçada,
Para dar a vida
Até quando puder olhar lá de cima,
Aquilo que fiz um dia cá
Embaixo.

Francisco de Assis
Ipu - CE

Coração Navegador

Meu coração, navegador de tantos mares
Aponta a vela para o vento mais fugaz
Tão rabiscado tatuado em mil lugares
Ancora manso no batente do teu cais

E tu que descuidada de tão bela
Quaras ao sol esparramada na censura
E eu te trago como prenda na baixela
Meu coração a derramar-se numa jura

Quisera eu ter uma noite no teu leito
Ser conduzido até onde me levares
Arrebatada tatuada no meu peito
Sair contando nossa noite pelos bares

A onda mansa que envolve os navegantes
Percorre mares fustigada pelo vento
Embala a noite no veleiro dos amantes
Me leva embora com o sol de mar a dentro!

Orestes Albuquerque

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Um Bairro Chamado Brasil

Quero aqui falar de alguns personagens que habitam e constituem meu bairro. Moro em um local periférico, um pouco afastado do centro da cidade, o que não nos impede da convivência charmosa e harmoniosa de pessoas da mais alta singularidade. Destacarei alguns desses seres ímpares.

O primeiro deles, Seu Saúde, é um simpático senhor que durante toda sua vida esforçou-se ao máximo para que seus feitos chegassem ao conhecimento e ao usufruto de todos. Gosta ele de ser chamado por seu pomposo nome acrescido de seu sobrenome: Seu Saúde Pública.

Esqueci de mencionar o mais importante: Seu Saúde é músico, um verdadeiro artista! Durante todo seu pernoitar neste mundo tentou, quase sempre em vão, que suas partituras, suas letras, seus arranjos e suas melodias fossem do conhecimento do grande público. Hoje, com sua saúde já debilitada, torce para que seus versos sejam mais lidos, mais compreendidos e mais executados também.

Apesar de ter sido assessorado por grandes intelectuais, ilustres nomes do pensar, Seu Saúde nunca passou de um augusto desconhecido das grandes massas. Aliás, seu nome até ecoa dos barracos favelizados às mansões imperiais. Porém é apenas seu nome, e não a pessoa Saúde Pública e suas benesses artístico-culturais que faz voz nas pessoas.

Não são suas melodias faustosas e seus promissores efeitos que o público conhece, é apenas seu nome, como uma promessa de uma utopia ainda distante.

Não obstante sua simpatia e mesmo sua tímida aproximação com seu público em potencial, Seu Saúde não conseguiu conquistar o grande amor da sua vida: uma senhora às vezes rabugenta demais, às vezes sensível demais. Mas o que mais a identifica é seu estranho e desdenhoso hábito de fazer promessas as quais não consegue cumprir. Atende pelo promíscuo nome de Constituição Cidadã.

Ao falarmos da vida desta quase caducante senhora que por toda sua vida passou por incontáveis quedas e posteriores modificações – algumas radicais outras nem tanto – até apodar-se de Constituição Cidadã, logo nos fazemos lembrar os políticos de nosso país: tudo nos prometem, tudo nos garantem e nunca nos dizem um "não". Apesar desta comparação, sei que D. Constituição vive repetindo pelo bairro que não gosta de política, dizendo-se apartidária e neutra.

Porém um algo a mais tem em seus dizeres que a difere de um mero discurso panfletário. Sua voz serena mas firme parece-nos ter a força de leis escritas. Se é ela quem fala, logo nos tranquilizamos. Um dos argumentos mais convincentes do bairro, quase um chavão, usado nas mesas de bar ou mesmo nas brigas entre vizinhos por um pedaço a mais de varal é: "Foi D. Constituição que garantiu".

Agora vou apresentar outro cidadão que também é um ícone do bairro onde moro. É daqueles sujeitos que se conhece e nunca se esquece. Ou se gosta muito dele ou o deixamos a falar a sós, com suas promessas mirabolantes e pouco modestas. Ele é um dos cidadãos mais fanfarrões que se tem notícia. Com um discurso recheado de palavras bonitas - a maioria retóricas e prolixas – apresenta-se aos outros quase como uma panaceia dos problemas alheios. Diz ser capaz de resolver todos os dilemas dos outros. Mais: se diz o caminho para a autonomia dos processos subjetivos. Seu nome, Educação Brasileira.

Seu Educação muitas vezes é tomado no bairro como uma pessoa arrogante. Sobretudo porque, ao aqui chegar, também prometera, assim como D. Constituição, coisas que não pôde cumprir. A diferença é que fizera juras de mudanças a longo prazo, pediu tempo, o que lhe foi dado, mas não deu o devido retorno à comunidade, já que prometeu liberdade e auto-suficiência ao fim de um processo. Tal processo, como já foi dito, mostrou-se falho.

Já falei de sua coincidência com D. Constituição. Agora vou lhes dizer de sua semelhança com Seu Saúde. Os dois amam e nunca conquistaram a mesma mulher. Isso mesmo, D. Constituição é também dona do coração de Seu Educação.

Seria uma grande falha minha se não vos dissesse que esta senhora que a tudo promete é casada com Seu Brasil Lesado Pelos Outros.

Dado a imponência e a variedade de seus sobrenomes, Seu Brasil sabe que é a figura de maior poder aquisitivo do bairro. O que não sabe é que sua fortuna poderia multiplicar-se por infinitas vezes se se desse conta de sua riqueza em potencial.

Seu Brasil teve muitos filhos em sua espessa, lânguida e, por assim dizer, fértil vida. Em sua imensa maioria canalhas, calhordas e cafajestes. Isso só pra não sair da letra 'c'.

Cabe dizer que, apesar de seu casamento longínquo e duradouro com D. Constituição, muitos de seus filhos são frutos de outras "transações" maliciosas, resultados de sua solteirice. Lascívias voláteis. O que não posso negar é sua rara habilidade em dar nomes criativos para seus muitos filhos. Alguns nomes: "Dívida Externa", "Subdesenvolvimento", "Censura", "Povo Sem Educação", "Povo Sem Saúde", "País do Futebol", "País do Futuro", "Seu Zé", "D. Maria"...

Ao longo de sua vida Seu Brasil teve um sem número de empregados que lhe passaram a perna. Apesar de seu filho "Jeitinho Brasileiro" tentar ajudar-lhe, o marido de D. Constituição sempre teve suas receitas – como diria um filho do casal, Chico Buarque de Hollanda –, "subtraídas em tenebrosas transações".

Em sua vida já vendeu de tudo para sobreviver: madeira, açúcar, escravos, ouro, café. Hoje se vende em cada esquina, a cada passo inseguro e vacilante. Vende-se a preços tabelados. Porém orgulha-se de vender a si mesmo e aos filhos ao sabor do preço do petróleo. Além do mais, vende-se em dólar. Orgulha-se também de ter amigos no exterior que lhe emprestam, sempre que precisa, dinheiro a juros irreais e desumanos.

D. Constituição tem-lhe um grande carinho e, apesar das tantas quebras e rinhas, acha-se muito feliz em seu matrimônio. O que mais admira em seu marido são os filhos dele e a capacidade que estes têm, contra todas as expectativas, de amá-lo. Porém, reza que preferiria que a riqueza de Seu Brasil fosse melhor repartida entre seus descendentes.

Seu enlace amoroso deu-se nos primeiros anos da década de 1820. Em 1824 deu-se o casório, com toda pompa e circunstância, tal como num matrimônio imperial. Apesar do posterior rompimento dos dois com a Igreja Católica foi esta quem abençoou, em nome de um Deus onipotente e onipresente, a união do nascente casal.

Seu Brasil nunca traiu o matrimônio, apesar de quase nunca conseguir cumprir o que prometera a D. Constituição. Esta, se não teve amantes fixos, teve pelo menos duas puladas de cerca.

A primeira delas foi com Seu Educação, na qual firmaram um tênue relacionamento que prometia ser benéfico para todo o bairro. Como se sabe, tal relacionamento não deixou outro fruto a não ser a desmoralização e o descrédito de Seu Brasil perante sua comunidade.

A segunda vez foi com Seu Saúde Pública, na qual viveram um intenso, porém finito grande amor. Quiseram eles unirem-se mas D. Constituição o achava muito longe do povo, destoando daquelas lindas palavras que ele lhe falava ao ouvido.

D. Constituição até que gostou dos dois, mas sabia que não podia se desvincular de seus laços afetivos e constitutivos de seu esposo. Preferiu, então, mais uma vez, jogar toda a carga daquilo que não conseguia resolver pra cima de outrem, que também, sabia ela, fugia-lhe à alçada de resolução.

Sobre o espinhaço dilacerado de mágoas e descaminhos de Seu Brasil, D. Constituição jogou-lhe as cargas de algo que ela só pode garantir através de palavras: que o ideário utópico de Seu Saúde Pública chegue, de fato, às camadas mais populares e que Seu Educação Brasileira consiga transformar em eventos práticos e teorias prenhes suas falas retóricas e, por vezes, ingenuamente ufânicas.

Fez, pois, o que sempre fizera: prometera; aliás, garantira! Sob as costas magras, ossudas e velhacas de quem lhe desposara; sob um discurso pós-moderno de um Estado neo-liberal transformou seu marido em um paternalista já fora de moda (que ainda reclama um absolutismo setecentista), esquecendo-se dos modelos em voga, contradizendo-se e vitimando-se a si mesma, fadando Seu Brasil ao insucesso, quiçá ao aniquilamento.

20.jun.2009

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Exclusão

De pé, em cima da própria sombra,
Sem esperança de coisa alguma,
Sem se lembrar de ninguém,
Estão os excluídos da perfeição,
Parados na rejeição da utilidade.
Descalços de ocupações,
Às voltas com a incerteza,
Não mais esperam no amanhã.
O poema achou de se comover
Com estes habitantes do nada,
Mendigos do ritmo da existência.
A melodia que deles embala a vida
É a intempérie do silêncio
Enciumada com o abandono da alma.
A sombra vai minguando,
Os caminhos não levam à boa nova.

Jonas Pessoa

O Golpe de 64 (parte 1)

No dia primeiro de abril de 64, final da Semana Santa, íamos voltar de Afogados da Ingazeira, onde era bispo D. Austregésilo, para o Recife, e fomos impedidos pela policia.

Éramos um grupo de seminaristas, estudantes no Seminário Regional do Nordeste, em Olinda, que, a convite do bispo, costumávamos viajar à diocese de nosso ex reitor, no Seminário de Sobral, para colaborar em eventos religiosos.

Tínhamos sabido de uma mudança de rumo do Brasil, mas não sabíamos da sua gravidade. O rádio, muito censurado em suas informações, falava de um movimento de redemocratização do país.

Aliás, muitas pessoas, naqueles primeiros momentos, chegaram até a manifestar apoio ao golpe militar. A própria Igreja Católica que se iludira com as promoções intituladas "marcha da família com Deus, pela Liberdade", manifestava-se em apoio aos civis e, especialmente militares à frente do golpe. Com o tempo, decepcionaram-se e, alguns até se tornaram adversários ferrenhos daquele movimento que se auto-intitulava de "revolução".

Depois de uns dois ou três dias retidos em Afogados da Ingazeira, fomos autorizados a retornar ao Recife. E, à medida que nos aproximávamos da capital, começávamos a acreditar e testemunhar a gravidade da situação.

O seminário de Olinda que, à época recebia alunos oriundos de dioceses de todo o norte e nordeste, virou foco de atenção dos militares. A ideia era implantar um Seminário de alto nível. Ali lecionavam os mais competentes professores do clero e do laicato pernambucano: Wamireth Chacon, Newton Sucupira, Ariano Suassuna eram as estrelas. Do clero estavam lá os padres: Marcelo Carvalheira, Zildo Rocha, Almery, Zeferino Rocha, Arnaldo Cabral, Luís Carlos, Josepf Comblin, Eduardo Hoonaert e outros. Com o prestigio de Ariano Suassuna, o Teatro Popular do Nordeste mantinha muita aproximação com o Seminário de Olinda, especialmente com o teatrólogo Hermilo Borba Filho.

Tínhamos muitas influências de Paulo Freire que havia criado, no Recife, o Movimento de Cultura Popular e estava no auge com o seu revolucionário Método de Alfabetização de Adultos. Então o Seminário de Olinda, símbolo da vanguarda da igreja católica, pela posição avançada de seu corpo docente e pelo engajamento de seus seminaristas em atividades pastorais nos bairros e escolas, virou alvo de perseguição da direita.
O Seminário Regional do Nordeste fora pioneiro na abolição do uso da tradicional batina, a veste tradicional que sempre caracterizou padres e seminaristas. A batina passou a ser usada apenas nos principais atos litúrgicos. Aquela mudança provocou reações diversas. Mas possibilitou a participação mais ativa dos seminaristas em ações pastorais junto a bairros, favelas, mocambos, fábricas, etc. O Seminário possibilitava uma nova visão da ação de evangelização.

Aquelas mudanças permitiram aos seminaristas maior contato com a realidade política e social vigente. Com certeza, os seminaristas de Olinda tiveram uma visão mais ampla sobre o significado do golpe de 64. Acompanhávamos, de perto, as ações de D. Hélder Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife. Seus vibrantes sermões nos encantavam. Suas visitas ao Seminário eram sempre motivo de alegria para todos. Sabíamos das perseguições injustas que sofria por parte dos militares por suas posições em defesa da verdade, da justiça, da liberdade.

Daquele primeiro de abril de 64 em diante acompanhamos a parte mais brutal da história contemporânea do Brasil. Prisões injustas, torturas, direitos políticos cassados, perseguições, desaparecimentos, mortes, projetos sociais interrompidos. Todos viraram suspeitos.

Mas nascia também a grande campanha pela verdadeira redemocratização do país. Parodiando o slogan do famoso Repórter Esso, nós fomos testemunhas oculares desta história.

Artigo publicado no jornal Correio da Semana, de Sobral, em 29/03/2014.

Leunam Gomes
Croatá - CE

Roda gigante (haikai)

O giro na altura
Um lúdico recomeço
Arremeda a Lua

Haikai de Gomes Raimundo

Gira mundo (composição musical)

Gira Mundo

Te vi, você olhou pra mim,
Com um pedido no olhar,
Pra eu me aproximar.
Passei, e me distanciei,
Mas uma força me puxava,
Pra seu lado.

São tantas coisas,
Que impedem esse nosso amor,
Espero o tempo, e nesse tempo,
Nada aqui mudou.
Eu já não sei o que pensar,
E nem o que fazer.
Para está com você...

(Refrão)
Gira mundo, e muda tudo!
Que o amor possa nos juntar.
Sinto paz, quando num segundo,
Seu olhar encontra meu olhar

Will K'pely
Massapê - CE

Angústia congruente

Conto até três. Respiro fundo. Onde estou? Quem sou eu? Soa estridente a batucada da impermanência no relógio invisível do tempo. Dói, como dói! Atravessa-me esse compasso transparente que rasga meu presente e transfigura meu passado. Que diabos dói ?! O que acontece comigo? Só sei que não tenho motivos para sentir-me assim. Sigo, então, ancorada no vazio mais companheiro, na negação mais perfeita, na mais ligeira transposição, no tudo mais demais. Ah, quantas interrogações surgem! Indago-me... Quando desabafo para o nada sobre esse meu lado humano, ecoa em algum canto da galáxia uma congruência? Talvez sim; se sim, dou asas à imaginação... “Um coral que canta a negativa: Dó, ré, mi, a morte não atinge a mim. Uma pessoa que sente a alma levitar quando- em alguns poucos momentos- encara o poético finito. Uma criança que chora de medo no escuro da ignorância. O olhar que estranha o mundo, estranha o corpo e, por vezes, não enxerga o que quer negar. O livro de história que guarda o segredo não segredo: o passado chega! As cores, os perfumes, os lugares que falam sobre o eterno acabado, calado, armazenado em todos os segundos já vividos”. Todos ou só um? Alguém aí em resposta ao meu eco? Eu ou outro eu no mundo? Responde-me o nada: - Sim, muitos; esses todos que vivem o silêncio conveniente, o desconforto palpitante.  Chego a pensar com isso que humanos são como os pleonasmos na escrita: repetem-se em suas repetições. Só espero, enfim, um atento leitor do profundo... Um alguém que traduza essas letras presas à minha angústia e sinta esse incômodo sem linearidade. Digo, pois, em tom realista, a esse alguém que a lacuna é inevitável... viver é também negar o inegável!

Thayza Alencar
Tianguá-CE

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Eu te amo



Amo-te com a plenitude de minhas forças, 
E se um dia minha fortaleza não for suficiente, 
Amar-te-ei com toda a minha essência, 
Porque você faz parte de mim, 
E parte de mim é você. 

O meu melhor pedaço, 
O meu maior sentimento, 
A minha incansável vontade de amar refletida
no brilho dos olhos seus, 
Porque você é a semente que germinei, 
E parte de mim é você. 

Coração repleto de alegria, 
Procura o encontro do seu sorriso, 
A minha mais pura felicidade, 
Porque você me completa, 
E parte de mim é você. 

Amo-te de alma e braços abertos, 
Jamais me fecharei ao seu abraço, 
Em minha vida seu nome está gravado, 
E assim para sempre será... 
Porque você é meu melhor pedaço, 
E parte de mim é você.

Míria Glenda

Fuga agalopada



Longa estrada seguia a sua verve, 
Mas sentiu despertar de outra sina, 
Pois pra fora da casa há u'a esquina 
Cuja curva conduz ao que lhe serve. 
Lamparina d'outrora que ora enerve 
Seu luzir no compasso d'outra dança 
Não refaz mesmo claro d'esperança, 
Que se nega a ficar acabrunhada. 
A bandeira da glória conquistada 
Não apaga da mente a tal lembrança. 

A cadência da fuga apetecida 
Não reflore a sabença original, 
Meramente tem cheiro matinal 
Esgotando a moléstia renascida, 
Que fascina a demência incontida 
Dos refolhos secretos do nirvana; 
No deitar do regaço da choupana, 
Descobriu ser ainda escravizado; 
Pobre alma do povo humilhado, 
Que caminha na chuva da savana.

Eliton Meneses

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Haicais descrentes

i.
Folha morta ao chão
Não é um sinal de morte
É ressurreição.

ii.
Cadê e foi aonde?
Veio e findou sem adeus
Nada: nosso bonde.

iii.
De carne um pedaço
Se não sou um imortal
Andar é o que faço!

iv.
Versos traidores
O que lês é o que queres
São tuas as dores.

v.
Para além de que?
O blablablá se acaba
Como sai você?

vi.
Pois bem, pois é, não
Por enquanto, esta face
Não está na mão!

Benedito Gomes Rodrigues
Coreaú - CE

domingo, 13 de abril de 2014

Teu silêncio

Tão precioso é teu calar
Que afronta meus ouvidos
E fico eu a escutar
Esse teu silenciar
Que é mais alto que o ruído.

Zequinha

Senhorita Perfeição

Eu lembro bem dela, e dos seus jargões de adolescente padrão. Mas seu jeito tinha algumas particularidades, incríveis, por sorte minha. Ela não tinha um time de coração, mas sempre, por dó, torcia pro time mais fraco, ou que precisasse de apoio, segundo ela. E isso sim, era torcer de coração. Ela não lavava a louça, preferia regar as plantas, dizia ser um trabalho mais dócil e eficiente. Não queria casar, e acreditava que o amor é a principal ligação, perfeita para conjugues, e isso basta para um felizes para sempre. Me via, não só como namorado. E sim como seu “best friend”, sua vítima de bullying e conselheiro diário. Tinha seus defeitos, mas eu amava todos eles. E ela se foi, do nada, sendo meu tudo. E o que dói não é o que passa, e sim o que fica do que se passou. Onde a causa é a lembrança e tem como consequência a saudade.

Tiago Vieira

Farto

Estou farto dessa vida regrada
Estou farto do Amor
Estou farto da hipocrisia
Estou farto da dor
Que me causa toda essa agonia

Estou farto de viver do passado
Comendo futuro
De andar de salto
Encima do muro

Estou farto de te perder em cada esquina
Estou farto do teu sorriso falso
Estou farto dessa tua desfaçatez felina
Estou farto e mais nada, apenas estou farto

Cinésio Lima

Bodega

Às vezes, no rústico balcão
de velha tábua enegrecida
o tempo parava...
Às vezes, o vento passava
e o papel de embrulho acenava
convidando o cliente
a absorver o aroma
pungente de couro curtido
que se irradiava no ar...
Só a velha balança parada,
com os pratos vazios,
ponderava o que havia
de sabor no denso langor
de algo invisível a indicar
que a tarde se dissipava
pesarosa a chorar...
E quando vinha freguês
antonio, maria ou João,
de caderneta na mão,
fiava o açúcar, a farinha,
num embrulho feito com arte
com dedos magros da mão

Raimundo Cândido

À Flavinha

Se diminuo o teu nome na verdade o aumento,
Pois assim na poesia ele se destaca.
Sei que não é assim que se encontra no documento,
Mas é assim que ele deixa na poesia sua marca.

E o poeta de criatividade fraca
Repete-o por falta de talento,
Porém transforma a poesia outrora opaca
Quando altera a tua certidão de nascimento.

Então perpetua o tal sufixo
Neste soneto. Que encaixe!
Nunca vi outro mais significativo!

Um codinome no qual fique fixo
Todo o carinho que no mundo se ache
E caber dentro de um nome no diminutivo.

Wesley Dias

Lua

de Messias Pinheiro (Ceará)

Trânsito lento

I. da Silva passava perto da rodoviária de Fortaleza quando no seu pulso o relógio já ia dando umas duas horas. Dirigia lentamente, um carro colado no outro. Só se via um cara correndo lá na frente.

N'é possível, naquele horário, aquele engarrafamento, não fazia sentido. Mas tudo bem. Vidro fechado, ar condicionado, música boa, som alto e o Van Halem já ia repetindo seu último refrão... “It’s the Final Countdown...Oh... The Final Countdown...”. É... o jeito é deixar o som bem alto pra passar o tempo.

Então ele mal ouviu os tiros de um cara acabando de ser morto ali mesmo do seu lado. Somente no outro dia, I. limpou aqueles respingos vermelhos da lataria. 

O trânsito de Fortaleza continuou se arrastando.

Umbelino Neto