terça-feira, 30 de setembro de 2014

ALGUNS FENÔMENOS OU CURIOSIDADES EXISTENTES NOS MORRINHOS

Duas das principais atrações turísticas de Guaraciaba do norte encontram-se nos morrinhos: a Pedra dos Letreiros e a Cachoeira dos Morrinhos. Porém existem curiosidades lá que as autoridades ainda não tomaram conhecimento: “O Covão” e o “Buraco dos Flamengos”.

- O COVÃO –

É simplesmente extraordinário o que acontece ali. Existe um terreno plano e com uma vegetação rasteira, própria do carrasco. De repente, há uma depressão formando um baixio em forma de círculo. Do lado oposto, onde a terra não cede, forma-se uma marquise que vai baixando a laje até tocar a terra.

A esse fenômeno, a esse lugar, chamamos de “Covão”. Ali é entrada ou saída de uma gruta, de uma caverna existente próximo daquele lugar e que a chamamos de “Buraco dos Flamengos” e que… falarei depois.

Foi ali no covão que, na década de vinte do século próximo passado, um garoto do lugar, chamado Idelzuíto Gonçalves, quando andava fazendo armadilhas para pegar caças – mocós – encontrou uma urna mortuária indígena, com ossos humanos.

Após aquele achado, o lugar passou a ser sagrado para os moradores do lugar. Esses moradores eram místicos, de índios e de civilizados. As culturas desses dois povos neles eram conflitantes, estavam elas presentes em tudo daquela gente. 

Como deduziram que o local teria sido um cemitério, passaram a cultuar o lugar.

Naquele lugar faziam-se preces, prestavam-se devoções, pagavam-se promessas e rezavam-se ladainhas. Também eram enterradas ali as crianças que morriam antes de serem batizadas (pagãs), por esse motivo, não poderiam ser enterradas em cemitérios convencionais, porque, ainda segundo eles, não eram cristãos e o cemitério é lugar sagrado pela Igreja Católica.

Acontece que, nessa marquise, criavam-se muitos maribondos. E maribondo dos bravos, maribondo caboclo. 

A picada desse inseto dói pra dedéu e incha.

Acontece que eu tenho um irmão, que o chamo de assanha, isso porque, quando alguém estava rezando no covão, o Gonçalinho ia por trás das moitas de fufú e, com uma atiradeira, assanhava os insetos, que picavam os incautos e os punha para correr. 

Ele, porém, ria muito da travessura. 

O Gonçalinho tem uma memória incomum. Muitos fatos narrados nesse livro, principalmente as datas, foi a ele que recorri. Meu irmão, agradeça a Deus pela memória que Ele lhe deu. Você não tem memória e, sim, um computador encaixado nessa cachola.

Amadeu Lucinda.©
Do livro: “Histórias nos Morrinhos” 

A IDADE

A idade é como o vento
De vagareza constante
A idade é um instante
Que passa despercebido
É um menino crescido
Se preparando pra vida
É explosão incontida
Na força da mocidade
É um pouco de saudade
Do menino já maduro
É anseio de futuro
No segundo do ponteiro
É tempo que vai ligeiro
Nos braços do aconchego
É um vôo de morcego
Nos arredores da vida
É a família crescida
È uma taça de vinho
É asa de passarinho
Voando no infinito
É o tempo mais bonito
Do menino já vivido
É destino já cumprido
É arregalo de peito
É se dar por satisfeito
É se dar por concluído
Melhor é não ter morrido
Melhor é seguir vivendo!!!

Orestes Albuquerque

Para todos

Iracema voou
Para a América...
Chico Buarque

Iracema não voou
Petrificou-se desnuda na beira mar
Seu arco e flecha não ferem o vento
Que brinca na sua vagina
Em todas as estações
Os verdes mares e os transeuntes
Contemplam sua fortuna anatômica
Totalmente transubstanciada...

Inocêncio de Melo Filho

ACERCA DA TEMPERATURA DOS MASS MEDIA

O que sucede hoje já aconteceu outras vezes; o que se expressou já foi dito e há de se dizer ainda; o que há de ser já foi. (Anton Francesco Doni. *Florença-Toscana, maio de 1513; +Monselice-Padova, 1574).




Ilustrada amiga, colega de departamento acadêmico na U.F.C. e eu, certa vez, resolvemos proceder a um projeto editorial que sobejou na produção de um livro, subordinado ao título O Termômetro de McLuhan (MESQUITA, Vianney; CYSNE, Fátima Portela. Fortaleza: Edições UFC, 1994). Nossos são os principais capítulos e minha a coordenação, tendo o volume experimentado bom alcance nacional como compêndio didático para uso em disciplinas da grande área da Comunicação e da Ciência da Informação.
À época, os estudos sobre o autor da Galáxia de Gutenberg encontravam-se, até então, um pouco olvidados pelos pesquisadores - ora em razão de críticas acerca da possível ausência de profundidade de seus conceitos, no mesmo passo em que era festejado por cientistas de várias partes do Globo, e às vezes por conta da fulguração das ideias de outros investigadores, a ensombrar a reverberação de suas ideações vanguardistas.
E eis que o chamado Profeta de comunicação voltara à cena, retomando-se os estudos atinentes aos seus corajosos conceitos, como, por exemplo, o de que os meios de comunicação constituem extensões das pessoas – TV como desdobramento da visão, microfone feito desenredo da boca e da fala, a roda é o progresso dos pés, a pinça desenovela a mão et reliqua.
Entre outras vantagens desde canadiano pioneiro no exame científico da Comunicação e docente bem retribuído financeiramente em universidades do Canadá e EEUU, Herbert Marshall McLuhan (Edmonton, 21.07.1911; Toronto, 31.12.1980) lobrigou a existência da rede mundial de computadores quase 30 anos antes de ser inventada, de modo que seus compreendimentos pertinentes ao Saber Comunicacional Ordenado ainda hoje restam revisitados por investigadores que cuidam de tal ofício, fato quiçá demonstrativo de suas reflexões terminarem dignas de convicção como insertas em área sistemática do conhecimento.
Na contextura da reminiscência editorial, docente e literária ora manifesta, ocorrida há 20 anos, reporto-me ao motivo do evocado livro – O Termômetro de McLuhan, uma das compreensões do autor de Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem - a Teoria da Temperatura dos Meios.
Faço-o a fim de esposar a imaginação de ser provável a noção de jamais haver transitado pelo pensamento dos inventores de escalas de graduação térmica, René Antoine REAUMUR, William Thompson (Lorde KELVIN), Daniel Gabriel FAHRENHEIT e Anders CELSIUS, a possibilidade de que, num dia do brumoso futuro, seus instrumentos de precisar a temperatura dos corpos pudessem também mensurar a grandeza termodinâmica dos meios de propagação coletiva em equilíbrio na permuta de energia sob a forma de calor.
Ocorreu, pois, de isso ser concebido pelo pesquisador de Guerra e Paz na Aldeia Global, quando determinou que, sob o ponto de vista relacional emissor-receptor-decodificador, os media são quentes ou frios, na dependência de definição visoauditiva, bem assim de envolvimento dos agentes ligados comunicativamente.
Ideias estranhas como essa, sustentadas em 15 livros, editados com o auxílio financeiro oficial dos Estados Unidos, compõem o recheio dos sistemas mcluhanianos, entretanto, debatidas, combatidas, apreciadas e, paradoxalmente, exorcismadas, isto, quem sabe, até por pretextos de laivo ideológico.
O fato é que o Profeta da Era da Informação – a primeira pessoa a cuidar do exame da Comunicação em ultrapassagem às evidências do senso geral – retorna, paulatinamente, à baila – conforme adiantei há pouco – pois se compulsa outra vez a literatura produzida neste lato quanto volátil terreno das suas teorias, como a se pretender patentear, depois de um lapso de obscurecimento, a verdade relativa do fato ordenado ou a dobrez pseudocientífica – como exprimem alguns - de suas arrojadas e discutíveis intenções.
Os autores tencionamos, pois, no ensejo da publicação, projetar no volume do qual agora faço nota a símile da necessidade de posicionamentos interdisciplinares, conforme seus capítulos de teores até agora vigentes, como a indigitar, à semelhança do ainda hoje consagrado autor de O Meio é a Mensagem, o estado da arte da Comunicação, aqui sobreposto às compreensões da Ciência da Informação, à espera do debate e até, dando-se o caso, da mudança do nosso entendimento como autores, no concernente ao ali exposto, feito resultado da sadia reflexão.
Invito os leitores, neste lance, a incursionarem pela obra desse canadense célebre, com visão internacional, conquanto habite outra dimensão há 34 anos, quando poderão se louvar no ensejo para cotejar dele as reflexões, hipóteses e achados reais.
Talvez seja prestadio referir ao fato de a obra mcluhaniana ser achadiça em Fortaleza, mormente nas bibliotecas e centros de documentação das universidades e escolas de formação superior, muito particularmente, no Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará. Isto, fora de dúvida, constitui elemento coadjuvante de efetivação do contato primeiro ou repetida convivência com a produção do Vidente da Comunicação.
Manifestamente, na leitura sugestionada, será necessário conceder os abatimentos imprescindíveis na comparação do período de suas escrituras em relação ao tempo fluente, de tanta tecnologia, de tão intensos e nítidos clarões de civilização no auge, no entanto e em tese, de sobrada esquisitice e barbaria dos comportamentos humanos, no respeitante à moral, à ética, à deontologia e ao que se aguarda de um reino animal (pretensamente) superior, in anima nobili, às vezes, porém, mais vili do que nobili.

Vianney Mesquita

NO LEITO DO RIO

NO LEITO DO RIO
ARDIA
O SOL DO MEIO DIA
O SOL DO MEIO DIA
DO PARAPEITO DA TARDE
SE VIA
A VIDA EM DESALINHO
VÔO CAMBIANTE
QUEDA DE PASSARINHO

jg freitas

Girassol

Pétalas fundidas ao tempo
flores e flores amarelas,
recolhem e derramam luz,
atirando, à sala,
a arte de Vincent.

Pétalas de luz transverberada
retendo, no vaso, as flores
refletindo o amarelo ouro
além do vaso,
além da sala,
além do tempo.

Pétalas de “Lírios”
pétalas de “Sorrow”, nua,
pétalas de “Loendros”.

Eis ali o artista, de corpo inteiro,
transfigurado em Girassol.


Vicente Freitas

sábado, 20 de setembro de 2014

POETA ANDARILHO


Teu palco é a rua, 
És ébrio andante, 
Percorres a noite 
Na ponta dos pés. 
Balanças inquieto, 
Quase não bebeste 
A fina aguardente; 
Não sei onde estás. 
Pediste um cigarro; 
O corpo envergado 
É duro, uma pedra, 
Quase não suporta 
Teu fardo de amor. 
Nuvem de fumaça; 
Hesitas canhestro, 
Não moras na rua, 
Mas dentro de ti. 
Entraste na vida, 
Deveras, fecunda, 
Detrás da certeza 
Da luz da manhã. 
És tido por louco; 
Mas sei que tu és: 
Poesia que corre, 
Com água serena, 
Um sopro de vida, 
Que rega e alumia 
O imenso deserto 
Do escuro existir. 

Eliton Meneses

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Rastro

Passaste
Por entre colunas e paredes
Que encobriram nossa visão
Nos defendeu
De um encontro de olhares
De sentir a sensação
Mais doce
De puro encanto
Mas ficou o perfume
Denunciando tua passagem
Refazendo o caminho
Dos teus passos
Deixando a fragrância
Que ludibria minha alma.

Aninha Martins

Esplêndida lagoa

Lagoa de brilho e beleza
Ricas águas reluzentes
Seus coqueirais balançam ao som dos ventos
Suas formosas garças desfilam elegantemente
Pessoas a caminhar admiram seu visual
Desfrutando de sua calorosa paisagem
Outras a morar nesse entorno harmonioso
Apreciando a liberdade dos passarinhos
Que passeiam por lá
Um espetáculo digno de aplauso e alegria
Uma música suave enleva o pensamento
Qual brisa leve que toca o coração
Um amanhecer encantado
Um majestoso pôr do sol
Que maravilha a natureza, em Fortaleza...

Nice Arruda
Fortaleza - CE

Minha Luz

Era meia noite, quando vi o sol.
Ou era pleno dia, quando escureceu.
Só sei que foi assim, quando te conheci.
Com toda sua luz, você me envolveu.
De tudo ao seu redor, só via você.
Pois era o meu sol, para me aquecer.
Ali na escuridão, você era minha guia.
Acabando a solidão, trazendo alegria.
Fica um pouco mais, a minha vida inteira.
Não se vá jamais, minha companheira.
Me sentia só, mas agora tenho você.
Sempre ao meu redor, iluminando meu viver.
Naquele instante, que me senti amado.
Tudo que eu sabia, não era importante.
Porque ali, tudo foi mudado.
E eu que só amava, agora tinha amante.

Will K'pely
Massapê - CE

DAS COISAS BOAS DA VIDA

Praia noturna
vento em demasia
lembranças que se repetem
partida sortuda
ecos de alegria
amigos que se reconhecem.
Dinheiro achado
desconto bem dado
bilhete sorteado.
Uma bela canção
um gosto que não passa
um livro que não cala
comer com a mão
cafezinho de graça
um filme que abala...
‘Música de Tom com letra de Chico’.
Ficar sozinho por vontade
achar graça da própria ansiedade
uma verdadeira amizade.
Uma tarde sem sol
uma sombra sem calor
luar branco e encantado
praia no fim da tarde
tranquilidade de casa
sorrisos [e] doces...
cerveja gelada
café quente
uva, maçã, fruta do conde
poesia falada
poesia que se sente
poesia de Drummond...
amor no escuro
amor bem amado
amor sem pudor
amar sem apuro
amar amorado
amar por amor!

Neto Muniz
Cruz - CE
19.set.2013

ELUCUBRAÇÕES CEREBRINAS

João Santos da Rocha era um poço de desilusão. Julgava-se um fracasso em tudo na vida. Tinha trabalho, dois diplomas, amigos, casa própria, carro novo na garagem, contas pagas, mas tudo no mundo o entediava. Dividia a casa com Calçado, seu confidente cachorro vira-latas. Depois que flagrou a namorada de infância aos beijos com o desafeto da escola, resolveu nunca mais confiar nas mulheres. Quando a insônia e a falta de apetite se lhe apresentaram no rosto encarquilhado refletido no espelho, procurou finalmente se aconselhar com um colega de trabalho. 

– O que você acha que eu devo fazer, Cardoso? 

– Tá na hora de tu arranjar uma mulher, homem! 

João julgava que uma mulher seria mais um agravo do que uma solução para os seus problemas. Teve contrariado que se socorrer de um médico, que, com o resultado dos exames, lhe prescreveu um calmante natural, a mudança de hábitos e uma dieta macrobiótica. 

Depois de uma leve melhora, as inquietações medonhas recrudesceram. Quando soube que Calçado fora acometido pela hidrofobia e que devia ser sacrificado, começou a nutrir a ideia de seguir o mesmo destino do seu sorumbático animal de estimação. 

Com a licença médica no emprego, pôs-se a caminhar dia e noite detido em devaneios e elucubrações cerebrinas. Seu mundo era um labirinto indecifrável, cinzento, sem cheiro e sem sabor. Desejava dar cabo àquele sofrimento sem fim. 

Certo dia tomou coragem e armou uma corda na goiabeira do quintal. Foi ao banheiro, encarou seu rosto sofrido no espelho, respirou fundo e, antes de cruzar a soleira, abandonou o plano suicida, ao avistar Calçado solto no quintal, debatendo-se num acesso furioso da hidrofobia, e ficar com medo de levar uma mordida do animal... 

João Santos da Rocha procurava respostas para suas muitas perguntas e, como não as encontrasse, cada vez mais se considerava no fundo de um poço sombrio. Num passeio pela beira-mar, porém, ficou surpreso com um sujeito na areia da praia que, sem nenhum dos braços, parecia ensaiar os requebros de uma dança inaudível. João, cuja sanidade física sempre fora impecável, foi ao encontro do sujeito para tentar desvendar a razão de tamanha felicidade.

– Ó, moço, diga-me o que lhe faz tão feliz, mesmo lhe faltando ambos os braços? 

– Feliz? Mas que feliz nada, moço! Se eu estou querendo é coçar o ás e não posso?!

Três meses mais tarde, sem Calçado, mas com Sovela, sua nova cadela, João, em franca convalescença, resolveu pedir a veterinária em noivado.

Eliton Meneses
Coreaú - CE

-lembranças de Granja como era-

ao amanhecer
na terra onde a musa é o caju
as folhas verdes vivas
quebram-se como contraste pobre
deu uma cidade desacordada
e sem cultura sobre arte.
entre os poucos a misturarem-se com o verde
buscaram sozinhos matar sua fome
em favor dos mais antigos
ao olhar cada detalhe com sensibilidade
da terra da carnaúba
musa e tema sempre no jornal iracema
há muitos anos atrás.

Luana Brito
Grança - CE

O mundo

Aqui está o mundo:
paisagens diluídas;
pretebranco, pretebranco
e nada mais.

O ser que o construiu:
uma barata, uma formiga, um dinossauro,
um orangotango
ou
quiçá
outras espécies antropóides
ou
quiçá
todos... juntos.

Cresceram sob o sol,
criaram asas, caíram,
(as linhas de voo, incertas, evoluíram)
e alguns renasceram das cinzas
— Fênix.

Mas,

o que nasce; morre, nascemorre
morremorre.

— E nada mais.

Vicente Freitas

DESCUBRA O SEGREDO DA MULHER NORDESTINA

Quem é essa mulher
Que labuta o dia inteiro
Chora, ri e s’entristece
Mas não perde seu jeito guerreiro?
Que diante do sofrimento
Numa terra de sequidão
Não reclama um só momento
E nem desiste não?
No sertão que a chuva nega
Não arreda os pés do chão
No vil sofrimento, audaz alega:
Sou nordestina de coração!
E em meio à injustiça
De sentir-se discriminada
Não espere dela lágrimas
Mas atitude de mulher determinada

Rogério Ramos
Fortaleza - CE

Trocas

Trocaria a minha liberdade
Pra te ver todo dia de manhã ao meu lado.
Trocaria os fins de semana ao lado dos amigos
Pra ficar ao teu lado te ouvindo falar
Sentindo o teu perfume e escutando tua voz suave.
Trocaria a minha despreocupação pelos teus dias de reclamação
Trocaria as minhas possibilidades pela tua escolha
Trocaria os meus versos pelos teus.
Suportaria ao teu lado todo o ardor dos dias rotineiros
Transformaria o teu tédio num stand up comedy
Montaríamos nossa imensa biblioteca
Leríamos livros, discutiríamos sobre o noticiário
Teríamos filhos cheios de virtude herdadas da boa criação
Tuas fúrias eu acalmaria com um beijo
Estaria sempre ao teu lado te apoiando nas realizações de teus sonhos
E tu estarias sempre ao meu lado, bem perto
Na velhice com nossos filhos crescidos
Nos restaria a sensação do dever cumprido
Um amor que começou do nada
E durou só até o fim de nossas vidas.

Kelly Alves Lima
Massapê - CE

Sabático

Olha a coca indo
Olha a coca vindo
São tantos movimentos
Nas mãos displicentes
O barulho se estica no ar
Olha menina a coca-cola
Escorrendo no beco
Livre do vasilhame
Que lhe aprisionava.

Inocêncio de Melo Filho
Sobral - CE

O PADRE MALABARISTA - LENDA

A Virgem Maria, recordando os tempos de Nazaréth, onde Ela viveu e vivenciou os melhores anos de seu filho. Desceu à Terra e com o Menino Jesus no seu santo colo.

Entraram em um mosteiro repleto de monges, sacerdotes de rara sabedoria. 

Eram pessoas que haviam dedicado suas existências à vida monástica. Ao saudarem a mãe de Jesus, cada um queria mostrar-lhe quanto era conhecedor da vida religiosa. Um falava das escrituras sagradas como se as soubessem de cor. Outro falava o nome e da vida de todos os santos. E assim iam se sucedendo, todos com grande bagagem de conhecimentos religiosos. 

Havia entre eles um padre velhinho, que era filho de um dono de circo da periferia, portanto não tinha podido estudar. Os outros não queriam que ele viesse saudar Nossa Senhora, para não os envergonhar. E por em cheque o alto grau de ensinamento daquele mosteiro. 

Quando já davam por encerrado, o velho padre pegou algumas laranjas e as jogou para o alto e começou a fazer malabarismo com as mesmas junto ao menino Deus, e sem dizer uma só palavra, pois tinha medo de dizer besteiras.

O Menino Jesus, que até então não havia dado bola para o falatório dos monges, levantou a santa cabecinha e começou a sorrir, para Ele fora a parte mais prazerosa do encontro. Aquele velho padre dera a Ele o que tinha de melhor, o que ele aprendera com seu pai para fazer as crianças rirem. 

Dê o que você tem de melhor, nem sempre os outros sabem o que é. Porém Deus sabe. 

Do livro: “Histórias nos Morrinhos” 
Amadeu Lucinda ©

Haicai

O peso do imposto
Fecha a empresa e o operário
Do cargo é deposto.

Jonas Pessoa

PLEONASMO

Ela é muito linda demais!
E falo dela com tanto entusiasmo
Que nem percebo que sou pertinaz
Em cometer o erro do pleonasmo.

Wesley Dias

AQUELE RIO

Atravessando aquele rio
De água não tão calma
Vagava minh’alma
Sem medo, sem frio

Mirando a outra margem
A bela travessia seguia
Ao vento, em calmaria
Com coração e coragem.

A canoa desbravava
Lentamente e frágil.
De remo valente e ágil,
O canoeiro forcejava.

Os flancos daquela nave
Leves ondas afagavam
Como alento, a guiavam
Pelo leito do rio suave.

Cada avanço, uma paisagem
Da aurora ao crepúsculo
Temporal era minúsculo
Na calmaria da viagem.

Uma espessa bruma
Fez uno rio e céu.
Desabando escarcéu,
Sobre barco fez espuma.

Minha ubá foi ao fundo,
Sepultando suas ranhuras
E também as venturas
Jazendo em outro mundo.

A longa jornada acabou
Outra margem se fez distante
E pensar que num instante
O remeiro acreditou.

Inda valente, nada a correnteza.
De nada se esquiva.
Mas, sem sua ubá, à deriva,
Carrega o banzo e a tristeza.

Sem a margem derradeira,
De volta à firme terra
Agradece o fim da guerra
Com Tupã na algibeira.

Sob o fusco, n’areia,
O brilho de Jaci lampeja.
Alivia aquela peleja
Com graças à volta pr’aldeia.

Neil Silveira – 15.07.2014

QUERO-TE CADA VEZ MAIS, OH! MEU AMOR!

Os acordes de um violão enchiam de harmonia o nosso querido quadro da Igrejinha. Sobre o tapete e matizado do gramado, sentávamos em círculo para o deleite daqueles momentos de poesia. A Igrejinha, fazendo parte do cenário, tudo ouvia e tudo abençoava. O velho tamarindeiro esvoaçava sua folhagem como se aplaudisse aqueles furtivos encontros de adolescentes apaixonados. Quero-te cada vez mais oh, meu amor!

A lua, como sempre, banhava de luar prateado toda a amplidão. Da majestosa Serra da Ibiapaba, vinha o bafejo serrano para acariciar o nosso rosto.

A cascata feiticeira se balançava de um lado ao outro do talhado exibindo o seu véu de noiva, de leve tecido pelas ninfas da noite.

Com cheiro de juventude, com alma de boêmia, com coração de estudante apaixonado, todo o nosso Quadro da Igrejinha parecia um ambiente de contos de fada.

Por entre as folhagens das árvores, o luar era coado e as réstias dançavam conforme o impulso do vento nos galhos viçosos e verdejantes.

E o violão enchia os ares das noites de notas românticas parecendo um lamento de paixão, um apelo para o amor.

Quero-te cada vez mais, Quadro dos meus amores, palcos das minhas quimeras, dos meus sonhos e de minhas primeiras ilusões. Contigo eu idealizei e realizei. E é por isso que te digo mil vezes: quero-te cada vez mais, oh! Meu amor.
Maria do Socorro Melo Lima.

Francisco de Assis
Ipu - CE

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Casinhas

Aí estão fincadas
no chão.
Casinha,
grande, pequena,
torta, reta.
Aí estão fincadas,
enfileiradas,
lado a lado
nas margens das estradas.
Casinha,
tão bela, tão livre,
tão calma,
de taipa, de palha, de sapé,
colorida, ou não
Aí estão fincadas no chão.
Na porta estão,
Seus donos ,
Tão simples, tão felizes,
Sorrindo, só sorrindo,
E, ao sorrir, chega  a esperança.
Casinha.....casinhas......casinha.
Aí estão fincadas no chão,
lado a lado,
Soltas ou não. 

Francisca Ferreira do Nascimento
Membro da Academia Ipuense de Letras, Ciências e Artes
Cadeira nº. 9

O SILÊNCIO...

O silêncio desta noite vazia
atordoa meus pensamentos,
que com o vento o faz desmoronar.
Enquanto a penumbra das minhas palavras
ronda meus sentimentos
neste momento tento me acalmar.

São centenas de lembranças
até de quando criança,
vem na minha imaginação.
Momentos que foram tão marcantes
apagam imagens  estressantes,
interessante para a minha emoção.

Nem posso lembrar
o que eu tento esquecer.
você até pode imaginar,
o que estou querendo dizer.
aquele mundo adolescente
que não quero mais viver.

Cada a um tem um motivo
cada motivo tem sua razão
se eu tenho má lembrança
é que tive quando criança
momentos de opressão.

As vezes no silêncio do dia
imagino com alegria,
como mudei meu viver.
Vivo a minha labuta
embora com muita luta,
sentindo muito prazer.

O silêncio é meu melhor amigo
com ele me deixo transparecer,
falo comigo e sempre digo,
tudo que quero fazer.

No silêncio enluarado desta noite
sinto do vento o açoite
e busco lembranças de ilusão
O silêncio não me traz tédio,
do  contrário é o remédio
que cura uma grande paixão.

Prof. Fco Alves

MODISMOS E BOBICES DO DISCURSO VERBAL

Vianney Mesquita*

É força capitular perante a ignorância e a tolice, assim como, pela mesma razão, se capitula perante um inimigo superior em número. (LEANDRO FERNÁNDEZ DE MORATIN. Madrid, 10.03.1760; Paris, 02.06.1828).

É fácil verificar, no discurso verbal de hoje, na oralidade quanto no repertório grafado, o registo de sinuosidades na maneira normal e consentânea de exprimir ideias, em detrimento dos atributos da língua, maiormente de correção e clareza, e em prejuízo da enunciação, onde deve estar contida a estética da oração.

Este fato configura, pois, a banalização do estilo, forçando a equiparação, no plano inferior, daqueles praticantes de desvios linguísticos e elocutórios, ao cúmulo de todos falarem e escreverem no mesmo tom habitual, sem que ninguém se sobreleve sob o prisma de um falante ou escritor especial, com modos peculiares de tornear, ao ponto de, com isto, ser de logo conhecido e apreciado.

Circunstância bastante mencionada na história da literatura mundial, e sobejamente conhecida pela comunidade letrada, é aquela reportada pelo naturalista, matemático e escritor de França, Georges Louis de Leclerc, quando recipiendário da Academia Francesa, ao proferir discurso (1753) na cerimônia de seu ingresso nesse Silogeu célebre.

Naquele ensejo, Leclerc, Conde de Buffon, evidenciou o aspecto inerente ao estilo, o qual é defeso se separar do seu autor.  Uma espécie de Prefeito do Jardim do Rei, Buffon (Montbard, 07.09.1707; Paris,16.04.1788), decerto, jamais atinou para o fato de que restaria eternizado em razão de sua sentença clássica – Le style est de l’homme même.

Dita proposição – O estilo é o próprio homem – significa dizer que, se a ideia concebida pertence à Humanidade, o modo como o escritor a expressa é faculdade sua, sendo possível, dessarte,  mensurar os graus de seu talento e originalidade.

De tal sorte, os predicados de quem escreve conferem ao bom leitor a habilidade de saber, de antemão, o perfil do escritor; e até a credibilidade, por parte do decodificador, resta, de certa forma, dependente dessa feição de quem comunica, ao falar ou redigir.

Agradáveis ao ouvido, deleitosos para a vista e benignos ao coração, os textos escritos e falas expressas ao compasso do bom estilo estimulam a audiência (no jargão comunicacional, os que veem, ouvem e falam) a prosperar na atenção até o remate do discurso, deste recolhendo o sumo precioso de uma ideação bem refletida.

No mesmo passo, se contiverem impropriedades elocutórias, vícios de linguagem, repetições desnecessárias, frases feitas e anacrônicas, manias, chavões, redundâncias, modismos e tolices – sem se fazer remissão a deslizes gramaticais e a entendimentos flagrantemente equívocos – o público ledor, de qualidade, vai largá-los e rejeitá-los para sempre.

Há uns trinta ou quarenta anos, tem, ainda, curso entre nós, manias como de repente, a nível de, em termos de, de ponta, transparente etc,  porém,  menos recorrentes, porque os revedores de textos, de tanto baterem, lograram o intento de reduzir consideravelmente essas muletas quebradas do discurso, em especial do repertório escrito e, em particular – o mais grave  -  na ambiência universitária.

Parece que esse cabeçudos modismos procedem dos grandes aglomerados de cultura do País, como, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo, tendo invadido a conversa e a escrita das pessoas com maiores habilidades discursivas, detentoras de melhor sinonímia, de um linguajar mais polido, as quais, todavia, se loclupetaram dessas extravagâncias e espalham, ab hoc et ab hoc, tão malfazejos acessórios, para deslustro da Língua Portuguesa no Brasil.

São desconchavos, condenáveis, como os mais novos (aos quais se reportará mais à frente), arraigados tão fundamente no discurso, de modo que ainda resulta muito comum uma pessoa, em comunicação curta, empregar uma ou várias dessas tretas enunciativas.

Como se não bastassem os neologismos do economês, sociologuês e outros dialetos, os quais sempre possuem correspondentes dicionarizados, vêm estes antitorneios empobrecer cada vez mais o falar da gente comum, transposto a miúdo para a forma escrita.

Eles surgem inopinadamente, sem tir-te nem guar-te, como os “gerundismos” - “ vou estar telefonando”; “é possível  estar ligando para o senhor?”; “Posso estar trazendo um cafezinho?”; e os “participioismos” – “ele tem comparecido todos os dias”, em vez de comparece...;   “eu sempre (eu de sobra, pois o verbo conjugado já denota a pessoa) tenho observado”, no lugar de observo... etc. etc.

Já não basta o “bom dia!”, absolutamente bem comunicado.  Agora tem de ser “bom dia a todos”, como se numa saudação a uma assistência o orador ou leitor pudesse fazer acepção de alguém no meio da multidão. E mais: tem de ser “a todos e a todas”, como se na Língua Portuguesa, consoante a lei que a aprovou, o genérico não fosse o masculino!

Já se chegou a ouvir, num determinado lugar público, um leitor, antes de iniciar seu convite, referir-se assim: “Bom dia a todos e a todas, aos adultos e adultas, jovens e crianças – meninos e meninas”. Isto, sinceramente, “clama ao céu e pede a Deus vingança!” – para empregar uma frase feita, tão ao sabor de escrevinhadores de tal jaez.

O mais teimoso, quase tanto ou mais do que o “de repente”, é a mania insalubre do “a partir” – o qual rivaliza com o mau vezo de “construção”, construir” e o modismo doentio do “entorno” -  já se chegando a detectar onze vezes numa página de dissertação de mestrado esta indefectível truanice. Sugere-se, constantemente, “com origem em”, “esteado nisso”, “com arrimo em”, “com suporte em”, “com base em”, “com supedâneo em” e tantas e tantas outras formas de efetivar o pensamento, deseixado dessas desagradáveis reiterações.

No discurso forense, como retrógrados chavões, notadamente entre os estudantes de mestrado e doutorado, vêm “o feriu de morte” (o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito), procedente, talvez, de algum bevilacquista ou seu coetâneo; “Neste diapasão” e “Nesta toada” servem para dar cafona continuidade ao raciocínio; e o “renomado (o     certo é renomeado) jurista cearense (ele é paraibano), celebrado internacionalmente, Paulo Bonavides” (ou qualquer outro).

No mesmo grau estão “através”, em aplicações equivocadas, em vez de “mediante a”, “por intermédio de”, “por meio de”, “mediado por” et relicua.

Como se não fosse suficiente o estreitamento vocabular, por falta de conhecimento do léxicon português, esses modismos, frases feitas, chavões e mais e mais asneiras do discurso – nomeadamente o acadêmico – são substanciosos em suas recalcitrâncias e concorrem, em um crescendo, para depauperar a vernaculidade nacional, pois dicções desprovidas de significante e ocas de significado, sepulcros caiados da elegância terminológica.

Alguns desavisados entendem que o fato de os empregar significa status, pois denotativos de estarem em contato estreito com a lexicografia praticada pela academia – e nas grandes cidades – em dia com a linguagem exercitada em universidades e institutos de pesquisa.

 Solicita-se coerência. É preciso passar na joeira as expressões adventícias e aculturar somente o que é salutar – e isto,  en passant,  no Rio de Janeiro e em São Paulo há de sobejo.

Voltem-se, pois, as vistas para a faustosa Língua Portuguesa, de recursos ilimitados e portadora da mais assinalada consistência científica.

 Seja feito como procedem os alemães, franceses, ingleses e portugueses, que cultivam e cultuam seus códigos, sem radicalismos e com o máximo respeito, pelo menos nos discursos verbais, orais e escritos, em que é exigível a formalidade, como no caso da Academia. Evidentemente, a semântica se faz diversa no tempo e no espaço geográfico. Isto não se tenciona negar.

É possível, até, assentir na admissão, às obras de referência, de neologismos sem correspondentes dicionarizados, entretanto, há de se rechaçar expressões repetitivas, de aplicação oblíqua, inócuas e viciosas que nada acrescentam, mas, antes subtraem, modismos e palermices a fazerem de seus falantes e escritores pessoas antipatizadas pelos leitores de qualidade, proporcionais aos seus estilos, como entendeu que fosse Georges Louis de Leclerc, o Conde de Buffon.  



* Vianney Mesquita é docente da UFC, jornalista e escritor. Acadêmico titular das Academias Cearenses da Língua Portuguesa – e de Literatura e Jornalismo.

FRAGMENTOS DO TEMPO – INFÂNCIA

O meu amor pelos animais vem da minha mais tenra infância, desde pequena foi morar com meus tios que com a permissão de meus pais me adotaram como filha. Dessa forma, dentre uma família numerosa, da qual nove irmãos chegaram a fase adulta, lá fui eu para um lar onde seria filha única, tendo como companheiros de folguedos, apenas animais de patas pelos e penas.

Confesso que adorava aquela vida, Mãezinha e Paizinho, como passei a chamar meus tios, não entendiam bem meu relacionamento com os animais, e minha tia costumava dizer "Ah meu Deus, não tive filhos, e a única que fui criar é doida!". Eu não compreendia o porquê dessa expressão, mas achava que isso era um elogio e não me importava, visto que ela dizia sorrindo, e sabendo do meu poder de tirá-la do sério, me aproveitava bastante. Vejam só algumas das minhas peripécias infantis:

A propriedade em que morávamos era relativamente grande, muito arborizada e repleta de animais de várias espécies, local muito acolhedor e agradável, o qual formava o cenário perfeito para construir um mundo só meu, gostava de subir nas árvores, estudar bem apoiada em um galho de sirigueleira, goiabeira ou cajueiro, ir saborear as frutas colhidas na hora, armar balançador, ou até mesmo colher material para fazer casinhas de bonecas, cobertas com palhas de bananeira. Contava sempre com a ajuda do Paizinho, pois se dependesse de mim, logo, logo elas desabariam sobre mim.

Gostava de varrer o quintal quando chovia, era um verdadeiro ritual, nesses momentos mergulhava em um mundo imaginário, apreciava aquele encontro com meu eu, para mim tornava-se momentos de verdadeira terapia. Logo após com um graveto punha-me a desenhar modelos de vestidos, paixão esta que trago até hoje, como prova, há muitos registrados em meus borrões escolares, pois sempre que via um modelo interessante não perdia a oportunidade de copiá-lo, e depois então, sempre adaptando ao meu gosto, tentava fazê-lo aproveitando o conhecimento empírico que adquiri ao longo de minha existência, sendo essa, outra das minhas paixões artesanais.

Sempre me diverti muito com as galinhas, indianas, pescoço pelado, pedrez, de penas arrepiadas, grandes nanicas, várias cores..., era uma festa aos meus olhos. Amava as pintinhas muito faceiras com aqueles rabinhos balançantes, e logo escolhia uma para xodó. Quanto aos pintinhos sorria bastante com as suas primeira tentativas bélicas, já os maiores era preciso estar sempre atenta, pois se não os separassem lutavam até morrer. Muitas vezes afagava uma delas até que ficasse deitada ao chão toda esticada, parecendo morta, e ia chamar Mãezinha, informando que a mesma havia morrido, e apesar dela desconfiar da veracidade da noticia, sempre caia na pegadinha, fingindo raiva, tentava disfarçar o sorriso quando o galináceo punha-se a correr desengonçado.

Todavia ficava aborrecida quando, obrigada a lavar a louça à noite, na pia improvisada do quintal (Jirau), obviamente por que detestava essa tarefa, principalmente a noite. Dai que, quando  todos os frangos e frangas que não dormiam no poleiro vinham para o terreiro na esperança de comer alguma das migalhas que sobrara do jantar, e para me vingar, logo que terminava tão árdua tarefa, os espantava para o fundo de quintal e voltava correndo para apagar a luz, me divertindo bastante com a desorientação dos mesmos para retornar para seus alojamentos noturnos.

Lembro que certa vez, Mãezinha "deitara" uma galinha, expressão sertaneja que significa por uma galinha para chocando ovos, e como essa galinha era valente e gostava de beliscar, tive a brilhante idéia de enganá-la, ao trocar o meu dedo por folhas de mastruz para que ela bicasse. A princípio ela não gostou, mas logo ficou satisfeita e recebia de bom grado sempre lhe apresentava mais folhas. Essa brincadeira, no entanto salvou a sua vida, visto que pouco tempo depois se abateu uma epidemia sobre essas aves, e apenas ela não foi atingida, sobrevivendo a catástrofe ilesa, e cada vez mais minha amiga.

Tem ainda um episódio muito cômico, digno de ser relatado. Mãezinha periodicamente ia ao interior, e gostava de levar muitos presentes para a sua família, inclusive meus pais, pois ela entendia a necessidade de todos que viviam naquele sertão árido, onde havia escassez de tudo. Dessa forma, quando ela voltava vinha sobrecarregada de legumes e aves vivas acondicionadas em "Grajau" de madeira. 

Acontece que em uma dessas vezes, uma franguinha soltou-se na área da casa em que estávamos, enquanto se aguardava o ônibus para retornarmos a nossa residência, mas ao tentar correr ela não obteve êxito, haja vista que o piso estava bastante encerado e escorregadio impedindo a sua fuga, por ordem de Mãezinha corri para pegá-la, tarefa essa que não foi fácil, devido ao acesso de riso da qual fui acometida. A diversão foi tamanha que quando retornei, estava sempre a encerar a casa e convidava os franguinhos a tentarem aprender como escapar dignamente em situações vexatórias.

Mira Maia
06/2014

MENINA MOÇA


Eu prometo ser fiel
Guardar o doce do mel
Para quem já me devora
Mil noites antes da hora
Fulano me confessou
Com olhos de predador
Fez um desenho de mim
Com a boca de carmim
A cobra já me rodeia
Mais bonita do que feia
Já sinto olho comprido
Roçando no meu ouvido
Por enquanto sou menina
Com carteira de vacina
Não posso fulanizar
Nem alcanço pra beijar
Quando vier o sinal
Menina passando mal
O corpo tomando jeito
Caroço virando peito
Quando vier o desejo
A boca sonhando beijo
Vou trocar o brigadeiro
Pela rosa no cabelo
Já me vejo debutante
Me tornando diamante
Meu diário rabiscado
Contando nosso pecado
Menina com quem será
Que fulana vai casar
Por ora inda não sei
Quantos encantos terei!!

Orestes Albuquerque

NO INFINITO AZUL DO TEU OLHAR...

Otuada Canteça

Há tempos muito idos, sofri o prazer de sentir os sintomas da minha primeira paixão. Foi por Isabel, numa manhã de sábado de luz quente e céu azul sem um fiapo de nuvem, sequer. A praça onde fica o Colégio Estadual era larga de fundo e de frente, contornada por casarões aristocráticos de famílias tradicionais da cidade. Predominavam as sombras espaçosas e acolhedoras dos fícus (benjamin), quase sempre fincados com as raízes expostas estufando os mosaicos das calçadas.

Os sábados de matinés no Colégio era a ocasião de encontro das alunas com os alunos, visto que as aulas não eram mistas: as meninas estudavam pela manhã e os meninos à tarde. Minha amiga Felícia estudava na mesma turma de Isabel, a garota mais bonita e cobiçada pelos rapazes. As matinés eram permitidas pelo Monsenhor Nicácio, diretor do Colégio, um Padre à moda antiga, severo, que não hesitava em usar da truculência para manter a ordem e a disciplinas nas hostes do Colégio. Isabel e Felícia eram assíduas frequentadoras das matinés e sempre estavam juntas, bem diferente uma da outra. Isabel, no fulgor dos seus quinze anos, era branca, esguia, de pele rosada que realçava seus olhos azuis num rosto angelical modelado por vastos cabelos loiros esvoaçantes. Felícia, miúda, morena, bustos fartos que a faziam parecer arredondada. Comunicativa, tinha um sorriso cativante.

Sempre olhei para Isabel, só por olhar. Sabia que não era pro meu bico. Afinal, o que se passava pela minha cabeça era que os cabeludos do Colégio que formavam o conjunto que tocavam nas matinés as músicas da Jovem-Guarda, eram os seus preferidos. Nas matinés, as meninas deixavam seus uniformes escolares em casa: blusa branca, gravatinha e saia plissada grená e botavam seus vestidos de sair. 

Por minha amizade com Felícia, em algumas ocasiões fiquei em rodas de conversa com a presença de Isabel. Foi quando comecei a observá-la melhor. Era contida, quase tímida, inteligente, falava pouco. Não esboçava nada do convencimento que se espera de moças bonitas e disputadas. Diretamente, nunca troquei palavras com Isabel, era quase sempre conversa de grupo de jovens.

As matinés se repetiam com o conjunto tocando e cantando as músicas de Roberto e Erasmo Carlos, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Wanderléa e outros ídolos da Jovem-Guarda que faziam sucessos nos idos dos anos sessentas. Antes do conjunto começar a tocar, formavam-se grupos sob as sombras acolhedoras dos fícus, ocasião que alunos e alunas ensaiavam aproximação e nasciam as paqueras e os namoros.

Isabel não era de paquera fácil, apesar dos assédios. Certa vez, perguntei a Felícia por que Isabel, tão bonita, não tinha namorado.

- Ah, André, ela não gosta muito do jeito dos meninos do Colégio, diz que são chatos e conversam muita besteira. Ela é minha amiga, mas é meio bestinha, não quer qualquer um, não. Disse, outro dia, que gosta do teu jeito como falas, te acha sério e inteligente.

- Felícia! ela falou isso mesmo?

- Estou falando sério, André, ela tem uma quedinha por ti.

Essa informação alterou o modo como passei a ver Isabel. Comecei a sentir uma admiração especial por ela. Os sábados de matinés passaram a ter outro significado para mim, queria mesmo era ver Isabel. Sempre que conversava com Felícia, sem querer demonstrar interesse, puxava assunto que levasse a Isabel. Felícia entendeu meu interesse e passou a ser o meu pombo-correio. Certo dia, encontrei-me com Felícia no cinema. Assim que me viu, foi logo falando:

- André, vem cá. Tenho uma coisa pra te dizer e sei que vais gostar. Fazendo-me de
desentendido, perguntei:

- É sobre o quê?

- É sobre Isabel, ela disse que quer se encontrar contigo no próximo sábado, na matiné.

Essa conversa aconteceu na sessão da tarde de domingo do Cine Esplanada. Passei a semana inteira com grande ansiedade e confesso com certo medo deste encontro a sós com a garota mais bonita do Colégio. Pensei! O que vou falar! Será se ela quer namorar comigo, ou só quer ser minha amiga? De qualquer jeito, já era um grande privilégio receber a atenção da lourinha de olhos azuis.

Finalmente, chegou o bendito sábado. Vesti minha melhor roupa domingueira, dei uma caprichada na cabeleira (usava cabelos bem compridos), roubei um pouco de perfume do meu irmão e lá vou eu ansioso e esperançoso, aos meus dezessete anos, descolar a minha primeira namoradinha. Definitivamente descobri que estava apaixonado, de verdade, por Isabel.

Por volta das nove horas da manhã daquele sábado cheguei à Praça, que já estava com grupinhos espalhados pelas sombras, mas não vi nem Isabel e nem Felícia. Um friozinho na barriga prenunciava minha decepção: ela não veio! Fiquei uns quinze minutos que não tirava os olhos da rua por onde Isabel costuma vir. Cada menina que apontava na rua, e nada de Isabel. Minha esperança só diminuía. Toda preparação e treinamento da semana estavam sendo engolidos pela ansiedade da espera. Até que me distrai um pouco conversando com alguns colegas e tirei por um instante os olhos da rua e fui surpreendido com a chegada das duas à Praça. Isabel estava linda, dava a entender que também se arrumou mais que das outras vezes. Vestia saia e casaquinho de organza azul celeste de mangas curtas com elásticos que as prendiam um pouco abaixo dos ombros, imprimindo-lhe leveza e graça. Estava divinamente bela, custei acreditar no que estava vendo. Confesso que tremi nas pernas, afinal era a minha primeira investida com uma garota de quem gostava de verdade.

De repente, Felícia faz um sinal para eu ir onde elas estavam. Vai lá André e faz bonito, ordenei-me. Aproximei-me, cumprimentando-as com um Oi, tudo bem?

- Tudo bem André, responderam as duas numa só afinação.

- A matiné parece que vai ser boa. O conjunto ensaiou as músicas do último LP do Roberto Carlos para tocar hoje, falei para puxar assunto.

- Ah! tomara que eles cantem “E que tudo mais vá pro inferno”, desejou Felícia.

- E você Isabel, o que gostaria que eles cantassem? Perguntei.

- Adoro a música “Olha nos meus olhos”, espero que eles cantem também esta música.

- Nosso gosto musical combina, também acho esta música uma das mais bonitas do Roberto.

Felícia se desculpou e disse que precisava conversar com as amigas que estavam na calçada se preparando para entrar no Colégio e nos deixou a sós. Respirei fundo e cavei na memória o ensaio da semana, mas não adiantou, saiu tudo diferente, fluiu no improviso mesmo. Conversamos um pouco sobre os estudos, perguntei se ela iria ao show de Wanderléa no Cine Esplanada. Respondeu que o pai dela não deixaria, pois é muito cuidadoso com ela. Informei que iria, era uma oportunidade de conhecê-la pessoalmente.

- Como esperado o conjunto começou a tocar e a gritaria foi geral. Convidei-a para entrar o Colégio para assistirmos de perto, mas preferiu ficar onde estávamos que dava para ouvir bem e poderíamos conversar longe do barulho.

- Hoje estou um pouco triste, falou Isabel depois de um momento de silêncio.

- Qual a razão de você estar triste? Afinal, estamos aqui, ouvindo música, se divertindo.

- Ah! deixa pra lá, depois lhe conto. Sabe André, te acho diferente destes meninos do Colégio, você é calado, não se mete com os bagunceiro do Colégio. Você tem uma palestra boa. Conversar com você é muito agradável, você tem senso de humor.

- É o meu jeito, sou mais quieto e não gosto de me mostrar.

- Você não vai assistir ao filme que vai passar amanhã? A gente até poderia se encontrar
lá.

- Não vou poder, amanhã à tarde já estarei longe daqui. Por falar nisso, tenho uma coisa para lhe contar. Foi por isso que te convidei para me encontrar aqui hoje.

- Nossa, que mistério é esse, me conte logo.

- É a causa da minha tristeza. Vou ter que deixar as minhas amigas, o Colégio que gosto tanto e agora que começamos a conversar se entender... Tudo mal começa e já acaba, é triste. Meu pai é oficial do Exército e foi transferido para Florianópolis. A viagem será amanhã. Não acho muito bom isso de estar sempre se mudando de cidade, a vida de militar é assim: quando se está acostumando com a cidade outra transferência. Ao ouvir este desabafo de Isabel fiquei paralisado, sem ação, sem saber o que dizer. Procurei me recobrar do choque daquela noticia. Mas logo agora que tivemos o nosso primeiro encontro e já será o último. Por essa eu não esperava. Agora quem está triste sou eu.

- Pois é André, a vida é cheia de caprichos, tenho que acompanhar minha família.

Ficamos parados e mudos por alguns minutos, enquanto ouvíamos a música "Olha dentro dos meus olhos..." parecia escolhida como tema da nossa história que nem sequer começou. Como que hipnotizado, fitei demoradamente os olhos de Isabel sem nada dizer. Até que ela, tocando de leve no meu braço me trouxe à realidade, perguntando:

- O que você tanto ver, olhando assim nos meus olhos?

- Estou vendo estrelas.

- Rá, Rá Rá. Estrelas! Onde está vendo estrelas neste dia de sol forte e céu azul?

- Numa inspiração exasperante e de improviso, fixei novamente meu olhar penetrante em seus olhos e declamei:

- No firmamento azul do teu olhar.

Enquanto isso, continuava tocando:
Olha dentro dos meus olhos,
Vê quanta tristeza,
Eu sofri por ti, por ti...
Era uma saudade imensa
De alguém que pensa
E morre por ti, por ti, por ti...
De repente, o rosto de Isabel ficou mais corado do que naturalmente já era e duas lágrimas translúcidas escorrem dos seus olhos.

- Coisa mais linda, você também é poeta, nunca ninguém falou assim para mim, nunca vou esquecer este momento.

Ficamos parados, silenciosos, emocionados, até que ela num gesto inopinado e de coragem beijou meu rosto e saiu correndo pela mesma rua que a vi chegar com a elegância de uma gazela e a determinação de um general dizendo: te amo, te amo, adeus André. Eu a acompanhei com meu olhar enquanto ela corria. Seus cabelos loiros esvoaçantes ao sabor do vento e como que por uma cumplicidade divina parecia que o céu havia descido à terra vestindo-a de azul. Na esquina da rua que levava à sua casa, ela parou, olhou para trás, acenou e desapareceu. A música continuou tocando. Como a vida, o show tem que continuar. Duas lágrimas quentes rolaram no meu rosto pelo amor que poderia ter sido e não foi. esqueci .

- Nunca esqueci aqueles olhos. Nunca mais fiz poesia...

Eu

Confortado em minha cama
longe do mundo infernal,
nem me lembro de quem clama
por cama até de jornal.
-
Canta o galo, nasce o dia
do chão da praça o sem nome
póe num canto a moradia
para lutar contra a fome.
-
Meu filho só dá trabalho
diz na escola o pai irado;
e o mestre olhando o pirralho...
por isto estou empregado.
-
A vida com seus mistérios
mostra-nos e muito bem
que no Poder homens sérios
são sérios se lhes convem;
NILTON MANOEL