quinta-feira, 24 de abril de 2014

O Golpe de 64 (parte 1)

No dia primeiro de abril de 64, final da Semana Santa, íamos voltar de Afogados da Ingazeira, onde era bispo D. Austregésilo, para o Recife, e fomos impedidos pela policia.

Éramos um grupo de seminaristas, estudantes no Seminário Regional do Nordeste, em Olinda, que, a convite do bispo, costumávamos viajar à diocese de nosso ex reitor, no Seminário de Sobral, para colaborar em eventos religiosos.

Tínhamos sabido de uma mudança de rumo do Brasil, mas não sabíamos da sua gravidade. O rádio, muito censurado em suas informações, falava de um movimento de redemocratização do país.

Aliás, muitas pessoas, naqueles primeiros momentos, chegaram até a manifestar apoio ao golpe militar. A própria Igreja Católica que se iludira com as promoções intituladas "marcha da família com Deus, pela Liberdade", manifestava-se em apoio aos civis e, especialmente militares à frente do golpe. Com o tempo, decepcionaram-se e, alguns até se tornaram adversários ferrenhos daquele movimento que se auto-intitulava de "revolução".

Depois de uns dois ou três dias retidos em Afogados da Ingazeira, fomos autorizados a retornar ao Recife. E, à medida que nos aproximávamos da capital, começávamos a acreditar e testemunhar a gravidade da situação.

O seminário de Olinda que, à época recebia alunos oriundos de dioceses de todo o norte e nordeste, virou foco de atenção dos militares. A ideia era implantar um Seminário de alto nível. Ali lecionavam os mais competentes professores do clero e do laicato pernambucano: Wamireth Chacon, Newton Sucupira, Ariano Suassuna eram as estrelas. Do clero estavam lá os padres: Marcelo Carvalheira, Zildo Rocha, Almery, Zeferino Rocha, Arnaldo Cabral, Luís Carlos, Josepf Comblin, Eduardo Hoonaert e outros. Com o prestigio de Ariano Suassuna, o Teatro Popular do Nordeste mantinha muita aproximação com o Seminário de Olinda, especialmente com o teatrólogo Hermilo Borba Filho.

Tínhamos muitas influências de Paulo Freire que havia criado, no Recife, o Movimento de Cultura Popular e estava no auge com o seu revolucionário Método de Alfabetização de Adultos. Então o Seminário de Olinda, símbolo da vanguarda da igreja católica, pela posição avançada de seu corpo docente e pelo engajamento de seus seminaristas em atividades pastorais nos bairros e escolas, virou alvo de perseguição da direita.
O Seminário Regional do Nordeste fora pioneiro na abolição do uso da tradicional batina, a veste tradicional que sempre caracterizou padres e seminaristas. A batina passou a ser usada apenas nos principais atos litúrgicos. Aquela mudança provocou reações diversas. Mas possibilitou a participação mais ativa dos seminaristas em ações pastorais junto a bairros, favelas, mocambos, fábricas, etc. O Seminário possibilitava uma nova visão da ação de evangelização.

Aquelas mudanças permitiram aos seminaristas maior contato com a realidade política e social vigente. Com certeza, os seminaristas de Olinda tiveram uma visão mais ampla sobre o significado do golpe de 64. Acompanhávamos, de perto, as ações de D. Hélder Câmara, então arcebispo de Olinda e Recife. Seus vibrantes sermões nos encantavam. Suas visitas ao Seminário eram sempre motivo de alegria para todos. Sabíamos das perseguições injustas que sofria por parte dos militares por suas posições em defesa da verdade, da justiça, da liberdade.

Daquele primeiro de abril de 64 em diante acompanhamos a parte mais brutal da história contemporânea do Brasil. Prisões injustas, torturas, direitos políticos cassados, perseguições, desaparecimentos, mortes, projetos sociais interrompidos. Todos viraram suspeitos.

Mas nascia também a grande campanha pela verdadeira redemocratização do país. Parodiando o slogan do famoso Repórter Esso, nós fomos testemunhas oculares desta história.

Artigo publicado no jornal Correio da Semana, de Sobral, em 29/03/2014.

Leunam Gomes
Croatá - CE

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