terça-feira, 16 de setembro de 2014

FRAGMENTOS DO TEMPO – INFÂNCIA

O meu amor pelos animais vem da minha mais tenra infância, desde pequena foi morar com meus tios que com a permissão de meus pais me adotaram como filha. Dessa forma, dentre uma família numerosa, da qual nove irmãos chegaram a fase adulta, lá fui eu para um lar onde seria filha única, tendo como companheiros de folguedos, apenas animais de patas pelos e penas.

Confesso que adorava aquela vida, Mãezinha e Paizinho, como passei a chamar meus tios, não entendiam bem meu relacionamento com os animais, e minha tia costumava dizer "Ah meu Deus, não tive filhos, e a única que fui criar é doida!". Eu não compreendia o porquê dessa expressão, mas achava que isso era um elogio e não me importava, visto que ela dizia sorrindo, e sabendo do meu poder de tirá-la do sério, me aproveitava bastante. Vejam só algumas das minhas peripécias infantis:

A propriedade em que morávamos era relativamente grande, muito arborizada e repleta de animais de várias espécies, local muito acolhedor e agradável, o qual formava o cenário perfeito para construir um mundo só meu, gostava de subir nas árvores, estudar bem apoiada em um galho de sirigueleira, goiabeira ou cajueiro, ir saborear as frutas colhidas na hora, armar balançador, ou até mesmo colher material para fazer casinhas de bonecas, cobertas com palhas de bananeira. Contava sempre com a ajuda do Paizinho, pois se dependesse de mim, logo, logo elas desabariam sobre mim.

Gostava de varrer o quintal quando chovia, era um verdadeiro ritual, nesses momentos mergulhava em um mundo imaginário, apreciava aquele encontro com meu eu, para mim tornava-se momentos de verdadeira terapia. Logo após com um graveto punha-me a desenhar modelos de vestidos, paixão esta que trago até hoje, como prova, há muitos registrados em meus borrões escolares, pois sempre que via um modelo interessante não perdia a oportunidade de copiá-lo, e depois então, sempre adaptando ao meu gosto, tentava fazê-lo aproveitando o conhecimento empírico que adquiri ao longo de minha existência, sendo essa, outra das minhas paixões artesanais.

Sempre me diverti muito com as galinhas, indianas, pescoço pelado, pedrez, de penas arrepiadas, grandes nanicas, várias cores..., era uma festa aos meus olhos. Amava as pintinhas muito faceiras com aqueles rabinhos balançantes, e logo escolhia uma para xodó. Quanto aos pintinhos sorria bastante com as suas primeira tentativas bélicas, já os maiores era preciso estar sempre atenta, pois se não os separassem lutavam até morrer. Muitas vezes afagava uma delas até que ficasse deitada ao chão toda esticada, parecendo morta, e ia chamar Mãezinha, informando que a mesma havia morrido, e apesar dela desconfiar da veracidade da noticia, sempre caia na pegadinha, fingindo raiva, tentava disfarçar o sorriso quando o galináceo punha-se a correr desengonçado.

Todavia ficava aborrecida quando, obrigada a lavar a louça à noite, na pia improvisada do quintal (Jirau), obviamente por que detestava essa tarefa, principalmente a noite. Dai que, quando  todos os frangos e frangas que não dormiam no poleiro vinham para o terreiro na esperança de comer alguma das migalhas que sobrara do jantar, e para me vingar, logo que terminava tão árdua tarefa, os espantava para o fundo de quintal e voltava correndo para apagar a luz, me divertindo bastante com a desorientação dos mesmos para retornar para seus alojamentos noturnos.

Lembro que certa vez, Mãezinha "deitara" uma galinha, expressão sertaneja que significa por uma galinha para chocando ovos, e como essa galinha era valente e gostava de beliscar, tive a brilhante idéia de enganá-la, ao trocar o meu dedo por folhas de mastruz para que ela bicasse. A princípio ela não gostou, mas logo ficou satisfeita e recebia de bom grado sempre lhe apresentava mais folhas. Essa brincadeira, no entanto salvou a sua vida, visto que pouco tempo depois se abateu uma epidemia sobre essas aves, e apenas ela não foi atingida, sobrevivendo a catástrofe ilesa, e cada vez mais minha amiga.

Tem ainda um episódio muito cômico, digno de ser relatado. Mãezinha periodicamente ia ao interior, e gostava de levar muitos presentes para a sua família, inclusive meus pais, pois ela entendia a necessidade de todos que viviam naquele sertão árido, onde havia escassez de tudo. Dessa forma, quando ela voltava vinha sobrecarregada de legumes e aves vivas acondicionadas em "Grajau" de madeira. 

Acontece que em uma dessas vezes, uma franguinha soltou-se na área da casa em que estávamos, enquanto se aguardava o ônibus para retornarmos a nossa residência, mas ao tentar correr ela não obteve êxito, haja vista que o piso estava bastante encerado e escorregadio impedindo a sua fuga, por ordem de Mãezinha corri para pegá-la, tarefa essa que não foi fácil, devido ao acesso de riso da qual fui acometida. A diversão foi tamanha que quando retornei, estava sempre a encerar a casa e convidava os franguinhos a tentarem aprender como escapar dignamente em situações vexatórias.

Mira Maia
06/2014

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