quinta-feira, 6 de março de 2014

Castorina Pinto

Certa feita, cheguei a pensar que, em matéria de apelidos, Coreaú fosse insuperável. Desde tempos remotos, passando pela alteração do nome da Palma, nos idos de 1943 – época em que o folclórico Alberto Carmo, veemente adversário do nome de Penanduba, que reputava horroroso, acabou recebendo para sempre a alcunha de (...) Penanduba! –, até os tempos modernos, com a média ainda de quase um apelido per capita, desde os suportáveis e levemente jocosos até os de extremado mau gosto, capazes de destroçar a própria dignidade das pessoas, não há negar que Coreaú seja pródigo em se tratando de epíteto. No entanto, a cidade que ostenta a fama internacional de "Terra dos Apelidos" é Aracati, graças sobretudo a Castorina Pinto, a mais célebre "botadeira de apelidos" que a história já registrou.   

Há mais de uma década, Franzé Gomes havia-me contado a história de um causídico que, numa visita a Aracati para uma audiência judicial, receoso da mulher dos apelidos, apesar de toda discrição e esquivança, não conseguira furtar-se da verve perspicaz de Castorina. 

Nas voltas que a vida dá, na reunião passada da Academia Aracatiense de Letras, no Museu Jaguaribano, descobri que naquele mesmo prédio havia funcionado o hotel de Teófilo Pinto, cuja administradora era sua irmã, ninguém menos que Castorina Pinto. Fora, enfim, aquele exato casarão o palco do episódio do advogado. 

Castorina não perdoava ninguém. A um juiz de cabeça grande apelidou de "Cabeça de Comarca"; a um rapaz difícil de casar chamou de "Cédula Falsa"; nem Dom Manuel, filho ilustre de Aracati, escapou, pois tantos eram os adereços com que se apresentava que ficou apelidado de "Bolo Enfeitado"...

O advogado se hospedara no hotel de Teófilo Pinto, mas deu sorte de não topar com Castorina nos dois dias em que permaneceu na cidade. A "botadeira de apelidos" convalescia de um resfriado e resolvera não aparecer no hotel por uns dias. Como sabia da fama da mulher e de que ela morava na mesma Rua Grande, adotou o hóspede todo o cuidado possível para não ser avistado (e apelidado) por ela. Tentou se furtar o quanto pôde. Não andava pela rua, não conversava na calçada do hotel, não parava na portaria e se trancava todo o tempo que podia no quarto, com as janelas sempre fechadas. 

Depois que partiu no ônibus de volta para Fortaleza, o advogado ficou aliviado; afinal, talvez tivesse sido o único sujeito a andar pelo Aracati sem ter sido vítima dos apelidos de Castorina... 

Quando no dia seguinte, porém, ela apareceu no hotel, o recepcionista logo a interpelou:

– Finalmente alguém passou por esta terra sem levar um apelido seu, dona Castorina! 

Ao que ela, de pronto, respondeu:

– Quem? O "Rato de Gaveta"? 

Eliton Meneses
Fortaleza/CE
09 fev. 2014

2 comentários:

Neto Muniz disse...

Que bacana esse texto, Eliton! Jocoso e informativo! Uma dúvida: são fatos reais? Se sim, poderíamos dizer que esse texto é um crônica?

Grande abraço. Que estreitemos os laços!

Eliton Meneses disse...

O texto é baseado em fatos reais, confrade Neto Muniz! Não seria uma crônica, digamos, pura, mas acho que está mais pra crônica do que pra qualquer outra coisa...
Abração!